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Nos processos de contato com o mundo estão presentes as dinâmicas de construção da representação. Ao encontrar com algo, se acionam os próprios saberes e se descreve, se caracteriza e se contextualiza frente aos saberes prévios – sempre dentro das possibilidades de ver daquele que olha. Ou seja, é da natureza da representação as possibilidades e impossibilidades de ver. É desta natureza atualizar ideias já vividas ou exercitadas sobre aquele visto. É da natureza da representação um viés, uma ordem de dizer que se dá como parcialidade frente ao todo que é a realidade. 

A representação não é apenas o apresentar de novo (re-apresentar). Ela não apresenta, mas ativamente constrói: é parcialidade pois diz daquele que enunciou, dentro do lugar social no qual se encontrava, da forma como a sua cultura permitiu, como pode ou intencionou. 

Toda a representação é uma construção fruto de composições e articulações de sentido quando da sua criação e gerará, no campo da cultura, uma marca. Esta marca, em função da representatividade que tiver num tempo e dos usos que dela se fizer, pode efetivar ideias de verdade.  

Ou seja, a representação, quando acontece, se anuncia como a efetivar a realidade (embora seja uma realidade). Ao se dar no mundo, ela constela um arranjo, um anúncio, que se replica e se afirma toda vez que ela se dá a apreciação.

É neste sentido que a representação pode ser uma emboscada, uma cilada, um embuste: ela recorrentemente se anuncia como verdade, afirmando na forma do arranjo criado algo que, no entanto, é uma parcialidade. 

Frente à representação há de se ter uma postura ressabiada, usar lentes amplificadas com filtros às emanações invisíveis. Quando um texto ou uma imagem (das mais diversas modalidades e fontes) se dá num contexto de aprendizagem, este precisa ser analisado em sua ordem representacional, ou seja, como construção sobre um “o que”, feita por um “quem” num “quando”.  

Há de se desvelar da representação os contextos nos quais ela se deu, vasculhando autor, regionalidade, filiação, momento histórico, posição, agenciamentos. É do escavar das forças de tensão que sustentam as constelações representacionais, que se chegará aos motivos e intenções presentes nos sentidos construídos. 

É assim que, numa educação antirracista, por exemplo, não é suficiente apontar que uma representação é racista, há de se visitar os motivos para aquela imagem ter se dado da forma como se deu, a voz de quem estava presente naquela maneira de dizer, as naturalizações que esta imagem pode ter provocado no tempo.  

Ao abordar imagens da mídia digital ou impressa há de se escavar sobre as predominâncias de raça, sobre as maneiras diferenciais nas representações de gênero, sobre as presenças e os apagamentos, sobre qual representatividade é predominante naquele compendio de referências e instigar a pesquisa sobre os porquês de ser assim.  

Ao se ler um texto, há de olhar as representações efetivadas, as suas pertinências, aqueles que anunciaram, seus motivos e contextos. Ao se observar as articulações e as sucessões de imagens na mídia televisiva, há de ser questionar a ausência de tempo para a reflexão, comparar as informações, descrever a forma com a qual se dão as dinâmicas de objetificação (do outro, do mundo) e investigar os motivos e origens. 

Não basta apontar o que a imagem apresenta na sua superfície, há de se escavar para desvelar os campos articulados quando da sua criação. A representação, como exemplificação, corre o risco de se tornar ilustração de um pitoresco exógeno ao educando, um outro que a ele não diz respeito. Se a intenção é a aprendizagem, há de se criar um campo de identidade, de reconhecimento e com ele o de instrumentalização. 

Em todas as representações há de se analisar as formas através das quais ela localiza e filia um alguém a algum lugar e papel. Esta filiação é que precisa ser descontruída e para isto não é suficiente apontar a presença da dinâmica, mas compreender o motivo pelo qual ela se deu. Visitar os contextos deve provocar a volta às gêneses destas naturalizações, deste estrutural.  

É na visitação e compreensão dos motivos, das forças atuantes no momento de constelação das representações, que será possível criar condições à crítica do presente. Isto porque é nesta ordem de compreensão que o sujeito apreciador criará condições de se visitar nos mesmos termos. Visitar a construção oferece ao apreciador contemporâneo olhar para si e, com estas ferramentas, se escrutinar nas construções que ele próprio faz hoje. 

Apenas assim se propiciará um campo fértil, e suficiente, para a crítica e transformação. O sujeito apreciador pode, a partir deste afrouxamento da ordem de verdade daquela representação (que volta a ser parcialidade), se posicionar frente a ela no agora e se revisitar nas suas próprias construções, efetivando posturas de responsabilização, crítica e transformação social. 

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