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Música de foco. Louça lavada. Skin care feita. Agora nada pode me impedir de escrever essa coluna – a não ser eu mesma.

Sempre fui aquela criança que assistia TV demais, comia doce demais e retrucava demais os mais velhos. Ninguém nunca me ensinou o que era ter disciplina. A cada três meses, mais ou menos, eu encontrava um novo hobby: já fiz aulas de balé, natação, yoga, vôlei, violão, muay thai, ginástica artística, ginástica rítmica, um curso de miçanga e por aí vai. Bastava o êxtase inicial dessa nova atividade dar lugar à rotina e à dedicação, que eu logo desistia. 

Desisti de muitas coisas nessa vida. Tô quase desistindo de escrever essa coluna agora mesmo. A música já não tá mais agradável, a inspiração passou. 

Ok, mudei de playlist. Voltando ao assunto. 

Uns dias atrás, pela total falta de estrutura dos meus hábitos, fui procurar respostas no oráculo da geração Z: o Youtube. Eu queria uma solução rápida para um problema que tenho desde pequena. Oh, a ilusão. 

Bem, após ignorar os vídeos que te mandam acordar 4h30 da manhã, tomar banho gelado e viver de ar e hortaliças, encontrei a Teal Swan. 

De acordo com a Wikipédia (outra fonte do saber coletivo extremamente confiável), Teal Swan é uma professora espiritual “não convencional e potencialmente perigosa”. Enfim, o tipo de conteúdo que eu gosto. No vídeo, ela explicou como a disciplina é uma parte essencial para encontrar a felicidade verdadeira. 

E eu vou te contar o porquê isso não é necessariamente verdade.

Swan defende que uma pessoa disciplinada é aquela que consegue utilizar do livre arbítrio para escolher tomar uma ação, que apesar de desconfortável no momento, está alinhada com os desejos de longo prazo pré-estabelecidos. Ou seja, essa pessoa abre mão do prazer momentâneo em prol do objetivo futuro. 

Não tiro a verdade disso. Afinal, o ser humano busca a libertação das sensações há milênios. Muitas práticas espirituais do oriente, como budismo e hinduísmo, acreditam que a renúncia às necessidades do corpo é o caminho ao nirvana – a libertação total do sofrimento, a transgressão do físico e o encontro da essência da vida. Ao aceitarmos a dor, a fome e a sede, acessamos a dimensão que existe além da vida material.  

Ou seja: a disciplina pode sim nos levar à liberdade. Mas ela também pode ser uma prisão.

Essa dualidade pode ser exemplificada pelo resto da minha história. Aos 16 anos, e no auge dos meus 110kg, eu decidi me tornar disciplinada. Mas, para isso acontecer, eu suprimi e reprimi a minha criança interior. Apesar de que, na época, eu não sabia que era isso que eu estava fazendo.

Comecei pegando leve, só mudando alguns hábitos alimentares óbvios, como frituras e refrigerantes. Mas, logo que senti os primeiros efeitos dessas mudanças no meu corpo – e consequentemente, como isso afetava a percepção que as pessoas tinham de mim – eu fiquei obcecada. 

Cortei todos os carboidratos e açúcares, ia na academia diariamente, e me pesava religiosamente toda sexta-feira. Perdi 40kg num estalar de dedos. Pela primeira vez na vida, os homens passaram a olhar nos meus olhos, e eu pude até sentir que algumas mulheres começaram a me enxergar como uma ameaça. 

Mas a disciplina havia tomado conta da minha vida. Se eu comesse sequer um único amendoim fora da dieta, a culpa era excruciante. Vivi dessa maneira por mais de 2 anos.

Até que, em setembro de 2018, a panela de pressão explodiu. A criança dentro de mim se rebelou, e eu passei a comer compulsivamente. O vazio interior era tão grande que eu cheguei a roubar comida, comer cogumelo cru e até uma pizza que achei no lixo. Nem preciso dizer que eu estava no fundo do poço.

Mas essa história vai longe. Se você quiser saber mais sobre como eu resolvi esse vazio, confira a minha primeira coluna do Journal48.

E quer saber? Que bom que vivi tudo isso. Sem experimentar os extremos da balança, eu nunca conheceria o meu ponto de equilíbrio. A disciplina precisa disso. Pois, pessoas extremamente disciplinadas são tão prisioneiras quanto aquelas indisciplinadas. São os dois lados da mesma moeda: a lógica do “prazer-objetivo”.

A boa notícia é que dá pra jogar essa moeda fora e procurar uma outra forma de encarar a vida. Sim, é possível ir na direção do que você deseja sem se mutilar no caminho. Da mesma forma, também dá pra se permitir viver os prazeres momentâneos, afinal, eles fazem parte da nossa experiência aqui na terra.

O segredo é olhar pra disciplina como uma eterna estrada de tijolos dourados: ela não existe para te fazer chegar em algum objetivo concreto, mas sim como um objetivo em si mesma. 

Afinal, o horizonte dos nossos sonhos é móvel. Nunca vamos, de fato, “chegar lá”. E é justamente por isso que precisamos criar uma rotina disciplinada – para termos estrutura de caminhar eternamente, um dia após o outro, atrás daquilo que almejamos (também conhecido como felicidade).

E claro, isso não significa que não haverão tropeços. Mas, conforme uma frase meio clichê da internet – que ninguém conhece o autor – “tropeço também é passo”. 

Por isso, leitor, eu lhe desejo uma vida equilibrada entre o prazer e o objetivo – com uma pitada de auto misericórdia na hora dos tropeços, e um colherão de sopa de disciplina para se levantar após a queda. E, óbvio: um bom pedaço de bolo de chocolate pra acompanhar!

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Lucas Martinez
Lucas Martinez
3 anos atrás

Parabéns por expor teu ponto de vista

Catherine Ehler Derviche
Catherine Ehler Derviche
Reply to  Lucas Martinez
3 anos atrás

Obrigada, Lucas! Fico feliz que você tenha curtido. 😀

Milena Sedor
Milena Sedor
3 anos atrás

Sua coluna é linda e absolutamente necessária!! Acompanhar é um deleite!

Catherine Ehler Derviche
Catherine Ehler Derviche
Reply to  Milena Sedor
3 anos atrás

Aiiii, obrigada! Fico muito feliz de receber esse feedback. <3