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O Big Brother Brasil 21 terminou este mês e, não diferente das edições anteriores, foi muito comentado, tanto por fãs quanto por críticos. Fato é que: gostemos ou não, o programa tem grande visibilidade e presença nas redes, o que proporciona o inevitável engajamento do público (mesmo daquele que afirma não gostar do que acontece na casa mais vigiada do país) em inúmeros debates lá semeados.

As provas vivenciadas pelos participantes durante o confinamento, bem como a interação entre eles, são o grande chamariz do BBB. E, como bem sabemos, onde há gente, é bem provável que haja uma discussão.

Pode parecer óbvio, mas é importante dizer que cada um de nós vive a partir de um próprio ponto de vista, que transita entre afinidades maiores ou menores com o dos outros, influenciado por toda a bagagem emocional que carregamos e pelas experiências que vivemos. Assim, isolando e colocando os participantes em privações dentro de um jogo de competitividade, é compreensível que fiquemos interessados em saber o que ocorrerá. Além, é claro, de nossa natural curiosidade para saber como outras pessoas vivem.

Entre o dia a dia e as indicações ao paredão, conscientes de que poderão ser eliminados, os “brothers” convivem dentro da casa enquanto nós, aqui do lado de fora, acompanhamos e torcemos por quem desenvolvemos afinidade. É essa mistura de fatores que levanta as maiores polêmicas tanto lá quanto cá.

Nessa edição não foi diferente. Acompanhamos discussões de extrema relevância para nossa sociedade como terror psicológico, racismo, homofobia e relacionamento abusivo. Naturalmente, o público se manifestou nas redes sociais e a possibilidade de ser ouvido e lido por centenas de milhares de outras pessoas efervesceu o debate.

Aqui está o grande poder das redes sociais relacionadas com as diferentes formas de arte e entretenimento. A centelha inicial é sentida de forma catártica em nós, e corremos para comentar e ver o que outras pessoas pensam a respeito. Uma grandiosa oportunidade para criar um show de fogos digno de uma virada de ano em Copacabana… Ou um incêndio.

Se por um lado esses meios de comunicação em massa podem ser fontes de conhecimentos e diálogos, por outro se tornam campos de batalha onde o objetivo central é conseguir o maior número de apoiadores, vencer o inimigo e partir para a próxima briga.

Viver em sociedade é difícil; uma tarefa repleta de meandros, camadas e interseções que formam cada tema. Por isso mesmo, um debate não se resume a “é bom ou é ruim”, “isso ou aquilo”, “deve ser assim e ponto”. Os debates são (ou deveriam ser) complexos e exigem de nós tempo, paciência e dedicação para nos debruçarmos sobre eles – coisas que as redes não estimulam.

O que fazemos muitas vezes, no entanto, é uma rápida análise da situação, com as informações que vimos aqui e ali, e em uma espécie de colagem de falas e imagens em nossa mente, decretamos terminantemente o que deve ser e ponto. Tão rápido tomamos consciência do debate, igualmente abandonamos a discussão.

Essa combinação de amplitude de alcance e a extrema velocidade para digerir cada temática pode causar – como tem causado na sociedade – uma mistura explosiva e prejudicial. A questão se torna muito menos debater pontos específicos, e mais despejar todo acúmulo emocional que temos reprimido.

É compreensível, claro. Entrar em contato com assuntos tão complexos pode ser muito difícil – tanto racionalmente quanto emocionalmente. Assim, se torna mais fácil apenas filtrarmos por alto com base em nossas experiências pessoais e de forma que não nos machuque, seguindo, ainda por cima, o fluxo ao qual nossa sociedade nos orienta, de forma extrovertida e em velocidade cada vez maior. E, então, nos tornamos máquinas de opiniões não refletidas em constante expansão.

Não é nem preciso dizer o quanto isso tem nos feito mal. E essa não é uma crítica a esses elementos isoladamente; todas essas características têm, sim, o seu valor. Mas não sem seu contraponto da reflexão, de momentos de lentidão e distanciamento para compreendermos a questão de forma mais ampla, igualmente necessários.

É tão importante expor sentimentos quanto parar para compreender o que se sente. Não é em um story ou uma tread que seremos as maiores autoridades em um assunto. Nem essas autoridades têm uma palavra fixa e eterna. Estamos todos juntos tentando entender como viver enquanto estamos vivendo.

Mas vale uma ressalva: isso não dá o direito de ninguém estimular preconceitos em nome de suas crenças pessoais. Muitos têm se apropriado desse discurso para legitimar as mais repugnantes falas e atitudes, e esse não é o propósito que estamos buscando aqui. É exatamente o contrário. Esse é um convite à reflexão, a parar um minuto para não só sentir mas também compreender o que se sente e como se sente.

Seja vendo um filme, programa de televisão, lendo um livro ou até uma coluna jornalística, tenhamos a certeza de que isso nos mobilizará de alguma forma. Essa é a centelha inicial, aquele início de movimento que poderá, se assim desejarmos, tomar grandes proporções. A grande questão é: entraremos no debate de forma madura, consciente, e procurando aprender e acrescentar positivamente? Ou entraremos nos debate perturbados em nossos mundos pessoais e procurando o mais rápido e fácil escapismo de nós e da sociedade?

Essa é uma decisão nossa. O BBB, assim como os outros entretenimentos e artes, é criado e apresentado. Pode nem ter essa intenção, mas nesse encontro com o público, atiça as mais diversas questões da sociedade. Cabe a nós a decisão de como nos portaremos a partir disso: se perpetuando as regras sociais ou, em conjunto, reformulando-as; se naturalizando preconceitos ou enfrentando essa dura realidade.

A arte expõe, nosso trabalho é nos conscientizar e agir. E isso demanda reflexão e maturidade para lidarmos com os temas.

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Elise
Elise
3 anos atrás

Texto lúcido e necessário para esses tempos de polarização da sociedade e da cultura do cancelamento.