Meio ambiente, vida e quem somos

“Deixa que a dúvida venha a respeito da vida”, é o que diz o primeiro verso da canção de Gilsons, Índia. Talvez não haja forma mais vulnerável, porém sincera, de versar o início dessa prosa que desenrolaremos juntos a partir de hoje (se você quiser), do que expondo, junto com minha visão, algumas lacunas e dúvidas a respeito da vida…

Pois bem, o tema aqui é Meio Ambiente. Para além das definições formais, que deixamos para um momento próximo, não é difícil intuir sobre a íntima relação entre Meio Ambiente e vida. Meio Ambiente é, ao mesmo tempo, feito de vida, e fazedor e mantenedor dela em suas múltiplas formas. Faz sentido, então, que reflexões e questionamentos a respeito da vida norteiem a discussão da pauta ambiental.

Aqui talvez caiba um parênteses para que eu me apresente – mas não nos preocupemos em nos conhecer inteiramente agora; vamos descobrindo quem somos ao longo do caminho. Sou bióloga de (recente) formação.

A Biologia, cujo próprio nome denota – não isento de certa prepotência -, é o estudo da vida, e talvez tenha como maior contribuição para a questão ambiental a tentativa de posicionar o ser humano na árvore da vida de forma menos antropocêntrica do que outras ciências. Ela propõe lançar um olhar sobre o todo que nos faz compreender: não somos a última bolacha do pacote. Outras vidas vieram antes, outras coexistem com a nossa, e outras ainda virão, depois que não mais habitemos o planeta Terra – e aqui também estou considerando que não temos outro para habitar. Somos finitos.

Mas falar de meio ambiente vai além de falar da dimensão biológica da vida. Não se trata apenas de saber quais são as bolachas do pacote, mas também, de questionar por que o pacote é feito de plástico, como e por que cruzou oceanos para chegar até nós, quem somos esse nós, e, ainda, por que alguns de nós comem bolachas de pacotes enquanto outros morrem de fome.

Não cabe defender matas sem escutar e defender os povos das florestas. Não se pode querer proteger os oceanos sem ouvir e legitimar as vozes das populações costeiras. Não faz sentido falar em sustentabilidade urbana sem pensar na qualidade de vida das periferias. O debate ambiental exige, sobretudo, um olhar multidimensional à vida humana, repensando, sim, a supremacia antropocêntrica que temos exercido sobre a biosfera, mas também problematizando outras supremacias: branca, masculina e patriarcal, heterossexual, ocidental, urbana, industrial, capitalista. 

Fica claro, então: a questão ambiental é uma questão sociopolítica. Portanto, debate ambiental apolítico é debate raso!

Eu poderia vir aqui falar de Meio Ambiente trazendo uma lista de “deveres ecológicos do cidadão”. Poderia discursar sobre mecanismos para a proteção de florestas sem enfiar um centímetro do meu dedo na questão agrária. Mas isto não basta nem de longe, e não é nisso que, isoladamente, acredito. 

Ao contrário, o debate ambiental deve ser crítico, olhar para o todo da vida sem dicotomizar sociedade e natureza, e sem homogeneizar os atores desta sociedade. Discutir Meio Ambiente passa, necessariamente, pelo desafio de repensar o modelo de desenvolvimento hegemonicamente adotado, uma vez que a possibilidade de crescimento econômico infinito não casa com um planeta cujos recursos naturais a nós disponíveis são finitos (e aqui surgem confusões, que também deixamos para outra conversa). É nesta perspectiva que buscarei versar estas colunas.

Mas, e aí, sendo a natureza política da questão ambiental uma certeza, onde moram as dúvidas? Bem, vamos lá…

Se o questionamento do modelo de desenvolvimento é uma necessidade, o quanto vamos conseguir e querer romper com este modelo, e de que maneira as alternativas já propostas – em muitos casos, para realidades locais -, atenderão às necessidades de um mundo globalizado? Estas são coisas que ainda não sei. Não sei, inclusive, se viverei pra compreender isso plenamente. Temos o desafio de, estando dentro do redemoinho e girando com ele, conseguirmos enxergar algo para além dele. 

Dar ouvidos às alternativas que já se propõem a tal e a seus autores é um ótimo primeiro passo para impulsionarmos uma transição de sociedade, com a consciência de que viveremos, ainda por muito tempo – ou talvez, pela natureza humana, permanentemente – diferentes sociedades em paralelo. 

Em um mundo tão plural e embebido em tantas adversidades que ameaçam, inclusive, sua pluralidade, precisamos, para além das contradições, buscar um lugar comum, no qual o Meio Ambiente seja entendido como elemento fundamental na promoção e manutenção do direito humano à vida.

E, mesmo que a conjuntura política nacional nos exija defender a pauta ambiental com unhas e dentes, sou da opinião de que ainda vale fazê-lo de forma sincera e sem esconder nossas dúvidas, lacunas e vulnerabilidades. Afinal, como posso repensar a vida sem reconhecer minha própria subjetividade, ou ignorando o recorte sociopolítico (cheio de privilégios) do qual faço parte, e apenas pelo qual posso falar? Este é o convite: repensar a sociedade enquanto compreendemos e repensamos quem somos, profunda e intimamente.