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Ao chegar até aqui, você provavelmente realizou uma ação que parece ser muito simples e intuitiva: o ato de ler. Você deve ter lido o título dessa matéria e, se não estiver ouvindo a locução dela, também está lendo o que se encontra nesse texto. Mas saiba que ler é uma tarefa extremamente complicada para cerca de 11 milhões de analfabetos no Brasil, de acordo com os últimos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua Educação. Esse número mostra que, apesar de vivermos na era da tecnologia da informação, muitas pessoas ainda estão afastadas dessa realidade, isso porque faltam políticas públicas de incentivo à educação no país, sobretudo à EJA (Educação de Jovens e Adultos).

Os dados da Pnad revelam que, muito embora a educação seja um direito instituído a todos os brasileiros, conforme indica o Art. 205 da Constituição Federal, a realidade é outra. A atual taxa de analfabetismo também contraria outras medidas oficiais implementadas no país, como o Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em 2014, e que estipula 20 metas a serem atingidas até 2024 (dentre elas: a erradicação completa do analfabetismo e a redução da taxa de analfabetismo funcional em 50%); e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96) que, no Art. 37 , diz que: “Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.”

PAÍS DE CONTRASTES

O IBGE classifica como analfabetas as pessoas que tiverem 15 ou mais anos de idade e não forem capazes de ler ou escrever nem mesmo uma mensagem simples. Uma pesquisa realizada pelo órgão em 2019 também indica que a alfabetização se dá de forma heterogênea no Brasil.

De acordo com dados divulgados pela Agência Brasil, a taxa de analfabetismo na população preta e parda é de 8,9% enquanto a de brancos é de 3,6%. Essa distinção é ainda maior nas pessoas com mais de 60 anos: 27,1% entre pretos e pardos e 9,5% entre brancos. A desigualdade também está distribuída nas regiões do país: enquanto o sul e o sudeste apresentam a taxa em 3,3%, a região nordeste possui 13,9%.

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisa, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2012-2019.

TIPOS DE ANALFABETISMO

Apesar do termo ser diretamente relacionado à falta de capacidade de ler e escrever, o analfabetismo também pode ser empregado para demonstrar a ausência de aprendizagem para algo. Nesse sentido, podemos citar o analfabetismo digital, em que a pessoa pode não ter acesso à internet, não possuir interação com os avanços tecnológicos, e nem ao menos saber ligar um computador.

Existe também o analfabetismo político, em que o cidadão desconhece as funções dos três poderes e não entende os acontecimentos políticos, o que tira a possibilidade de participação ativa na sociedade, além do conhecimento de seus deveres e, principalmente, direitos enquanto cidadãos.

Finalmente, o já citado analfabetismo funcional classifica pessoas que reconhecem números, letras e eventualmente leem, mas não conseguem interpretar um texto ou realizar uma operação simples de matemática.

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA)

Os primeiros cursos de alfabetização de pessoas adultas foram criados no Brasil em 1878. Na época, eles visavam apenas o público masculino, mas, ainda assim, representavam um grande avanço para a educação no país. Desde então, o sistema de educação de jovens e adultos passou por várias alterações e, atualmente, é uma importante possibilidade de combate ao analfabetismo, segundo a Mestre e Doutora em História Social, Lílian Lisboa de Miranda, que auxiliou na elaboração do currículo de história para a EJA, na cidade de São Paulo.

Ainda assim, ela reforça que o formato precisa ser adaptado à realidade dos estudantes, que chegam com maturidade e experiência diferentes dos alunos do ensino tradicional e não devem ser infantilizados.

“O aluno da EJA precisa se ver no currículo”, diz Lílian, “se ele se encontrar naquilo que está estudando e perceber o mundo à sua volta, terá um olhar muito mais crítico da realidade. Nesse caso é mais provável que o aluno continue estudando do que se o currículo for descolado da sua realidade social”, completa.

Além disso, ela afirma que a Educação de Jovens e Adultos precisa combater uma ideia meritocrática de que dedicação e disciplina são sinônimos de sucesso, principalmente porque os alunos em questão vêm de contextos, muitas vezes, extremamente precários. “Se a pessoa não tem o que comer, é muito difícil que ela tenha um desempenho intelectual”, explica.

Outro fator que dificulta o processo de aprendizagem, segundo a professora Margarete Lopes, que leciona há mais de 20 anos e dá aulas na fase um de alfabetização de adultos, é a falta que recursos didáticos disponibilizados aos professores; a solução, frequentemente, é a criação de materiais para as aulas pelos próprios docentes.

Ela, por exemplo, resolveu criar um canal no Youtube chamado Psicoeduc – Margarete Lopes, onde compartilha videoaulas para os alunos através do WhatsApp e produz conteúdo para auxiliar outros professores. A falta de incentivo do governo, sobretudo durante a pandemia, foi o que a motivou. “A escola não estava preparada e os alunos também não, eles precisavam acessar a plataforma de estudos, o que já é uma grande dificuldade porque muitos deles mal sabem digitar o próprio nome no celular”, conta.

REALIZAÇÕES DE SONHOS ATRAVÉS DA EJA

Flávia dos Anjos de Souza, de 30 anos, é um exemplo de que a EJA pode trazer novos horizontes através do estudo. Ela estudou na modalidade regular até a 8ª série do ensino fundamental e cursou o Ensino Médio na EJA, que precisou ser interrompido para que ela pudesse trabalhar. Mais tarde, com o incentivo do pai, Juca, e o desejo de fazer um curso de graduação, ela voltou a estudar e, hoje, cursa o 4º semestre da faculdade de Pedagogia, que era seu sonho.

Rose Paiva Santos é microempreendedora e também concluiu os estudos através da EJA. Ela conheceu a modalidade por meio de uma amiga e, após 15 anos fora da escola, resolveu voltar a estudar aos 33 anos.

“Quando passamos muito tempo sem estudar, o retorno é bem diferente, a forma de aprendizado muda, mas é uma das melhores realizações de uma pessoa: obter conhecimento, fazer novos amigos. Nunca é tarde para recomeçar”, diz ela.

Com isso concorda Joberto Ramos Dias, de 62 anos, que, enquanto criança, estudou até a 5ª série do ensino fundamental e retomou os estudos com 54 anos para incentivar o filho. “Eu já tinha vontade de voltar a estudar, sempre gostei de saber o que estava acontecendo no mundo, sempre gostei de ler livros, revistas e jornais. Meu filho estava com uma certa dificuldade na escola e comecei na EJA para incentivar ele também.” Hoje, Joberto cursa o último semestre da faculdade de serviço social.

Apesar de reconhecer que o processo nem sempre é fácil, ele recomenda a retomada dos estudos como caminho para a realização de sonhos.

Todos podem voltar a estudar e a sonhar. Tudo que sonhamos pode ser realizado através do conhecimento, pois sem ele não se chega a lugar nenhum. Eu dou todo meu apoio e não se preocupe com sua idade, aparência ou classe social, você é capaz. Entrar na EJA é a garantia de um futuro melhor”, finaliza.

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