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Era 2016 quando o livro “Chica da Silva: Romance de uma vida” foi lançado pela primeira vez, no Brasil. Joyce Ribeiro, jornalista e ativista dos movimentos feminista, antirracista e pela educação, foi convidada pela editora Planeta, na época, a unir fatos e literatura em uma obra que contasse sobre a vida de uma personagem de peso na história brasileira. 

“Foi uma honra para mim receber esse convite”, diz a autora, “e também um grande desafio porque, apesar de que eu já tinha em mente que queria publicar um livro, era um plano futuro que acabou sendo antecipado pela oportunidade. Além disso, contar a história da Chica, que já é tão conhecida, de uma forma inédita, me fez entrar profundamente em contato com partes da minha própria história – porque, por incrível que pareça, existem muitas semelhanças entre o que ela viveu e muitas pessoas vivem hoje”, completa.  

Antes de explorarmos essas semelhanças comentadas por Joyce – que são importantíssimas para esta narrativa, diga-se de passagem – precisamos resgatar, em sinopse, um pouquinho da personagem da qual falamos, para que ninguém perca o fio da meada.  

Chica da Silva, nas palavras da jornalista, nasceu na pior das condições: a de mulher que foi escravizada e silenciada de todas as formas no século XVIII. Ainda assim, segundo Joyce, a personagem acreditou que tinha direitos e sua personalidade e intenção de mudar a realidade foi o que a tornou visada e conhecida. “Grande parte dessa visibilidade está relacionada à história de amor que ela viveu e que já foi tão retratada no Brasil”, explica. 

“A Chica se uniu a um homem branco e poderoso da época, um contratador de diamantes chamado João Fernandes de Oliveira, com quem viveu por dezesseis anos. Juntos, eles construíram uma família dentro dos moldes da tradicional família branca da época, com muitos filhos, o que foi uma afronta aos costumes. Mas, para além disso, a grande afronta da Chica foi acreditar que ela podia viver esse amor, uma união com um homem poderoso que não fosse uma relação de serventia, como a que existia entre tantas outras mulheres negras e os senhores de escravos.” 

No entanto, Joyce Ribeiro esclarece que esse amor foi, muitas vezes, erroneamente confundido com conto de fadas, realidade bastante distante da das mulheres negras no Brasil escravista. E esse é um dos mitos que a autora fez questão de desconstruir ao longo das páginas de seu livro. 

DO SÉCULO XVIII AOS DIAS ATUAIS: SEMELHANÇAS ENTRE HISTÓRIAS 

Três séculos de história não foram o suficiente para eliminar todos os preconceitos e dificuldades uma vez enfrentados por Chica da Silva. “Muita coisa mudou, ainda bem”, comenta Joyce, “mas ainda existe uma luta por respeito travada por mulheres e, sobretudo, mulheres negras, que em muito se assemelha à da Chica”. 

“Ainda tentam nos silenciar, ainda há uma opressão da voz feminina, ainda são tantas as formas de não considerar as diferenças que nos tornam tão complementares para o mundo caminhar de forma harmônica”, exemplifica. 

Mas, apesar das infelizes coincidências entre tão diferentes épocas, Joyce ressalta o legado positivo que Chica deixou para tantas mulheres.

“Acredito que a Chica é um grande exemplo de mulher que buscou a plenitude; não foi algo que chegou até ela por acaso. E essa busca, entre erros e acertos – porque, afinal, somos todas humanas – é o que existe dentro das mulheres hoje. E isso é bem importante. Precisamos estar presentes em todos os espaços, negar o silenciamento”. 

Finalmente, a autora relata sobre consciência da ascensão de classes e suas consequências, outro elemento de grande peso da história da personagem. “Ao se casar com um homem poderoso, Chica se tornou uma senhora de escravos e, para usufruir de seus privilégios, outras pessoas foram oprimidas. É um contexto difícil de entender atualmente, mas que promove uma reflexão importante: todos nós, em níveis diferente, temos privilégios. Como os meus privilégios podem estar oprimindo os demais? Essa é a pergunta que devemos fazer”, diz. 

LIVRO INTERCONTINENTAL 

Nova capa do  livro "Chica da Silva: Romance de uma vida", publicada em julho de 2021.
Nova capa do livro “Chica da Silva: Romance de uma vida”, publicada em julho de 2021.

O que já era sucesso desde 2016 tomou proporções internacionais em 2021. Relançado pela editora Geração em julho deste ano, o livro de Joyce Ribeiro viajou o Atlântico rumo a Portugal, onde a autora estreou a nova edição para um público bastante entusiasmado.  

“A história da Chica da Silva já é bastante conhecida por lá e as pessoas se mostraram muito interessadas em revisitar essa história de um ponto de vista diferente. Além disso, os três cenários no qual o livro se passa (Brasil, continente africano e Portugal) são pontos de encontro entre todas as nossas histórias e é por isso que eu e toda a equipe por trás do livro temos muito interesse em levá-lo para outros países de língua portuguesa”, diz Joyce. 

A próxima parada, de acordo com ela, que será no continente africano, ainda não tem data, mas tem como objetivo conectar a autora e sua obra com outros grandes escritores, além de disseminar a cultura literária brasileira que, apesar de fortíssima, não é muito acessada.  

“Nós temos, no Brasil, uma cultura pulsante muito forte, mas que, infelizmente, não é tão reconhecida pelos próprios brasileiros. Levar esse conteúdo para fora”, explica a jornalista, “é, muitas vezes, o que impulsiona a valorização aqui dentro, mas o caminho não precisa ser só esse e a ideia de trocar com outros países é também para aprender como eles disseminam suas culturas internamente”, finaliza a autora. 

ASSISTA A ENTREVISTA EXCLUSIVA COM JOYCE RIBEIRO

*A nova versão do livro “Chica da Silva: Romance de uma vida” pode ser adquirida em todas as grandes plataformas de vendas, de forma online e física. 

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