No Brasil, a vacinação de crianças e adolescentes contra a Covid-19 começou no início do segundo semestre de 2021, mas mesmo antes da ANVISA e órgãos responsáveis aprovarem o uso das doses pediátricas, o Governo Federal, junto ao Ministério da Saúde, contribuiu para o surgimento de dúvidas e contestações sobre a qualidade dos imunizantes.
Com o avanço na vacinação de adultos a partir dos 18 anos, atualmente, são as crianças que correm mais risco diante de novas variantes altamente transmissíveis, como a ômicron, por não estarem protegidas, segundo dados do Ministério da Saúde.
De acordo com o Instituto Butantan, desde o início da pandemia, ao menos 2.500 pessoas de zero a 19 anos, 300 destas entre cinco e 11 anos, morreram em decorrência da Covid-19 no Brasil. Além disso, pelo menos 1.400 crianças foram diagnosticadas com a Síndrome Inflamatória Multissistêmica, associada ao SARS-CoV-2. Essas mortes poderiam ter sido evitadas se as crianças brasileiras tivessem sido vacinadas contra a Covid-19 com mais eficiência e incentivo, como em diversos países do mundo.
DESCONFIANÇAS SOBRE A EFICIÁCIA DOS IMUNIZANTES
O problema se enraíza desde o início da pandemia, diante das várias declarações feitas pelo Presidente da República, Jair Bolsonaro, que segue atuando como vetor de desinformação sobre as vacinas e combate ao novo coronavírus.
Após a demissão de três ministros da Saúde por não concordarem com as alegações do presidente, Marcelo Queiroga assumiu a pasta em março de 2021 com declarações a favor do uso obrigatório de máscaras e outras medidas de combate à Covid-19, mas algumas falas foram logo revertidas para agradar e manter a união com Bolsonaro.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a ANVISA, também se envolveu em algumas discordâncias com o Governo Federal e o Ministério da Saúde na aprovação das vacinas, o que contribuiu para a desconfiança da população acerca dos imunizantes e, agora, em especial, dos pais e responsáveis sobre a eficácia e seguridade das doses infantis.

POR QUE DEVEMOS CONFIAR NOS IMUNIZANTES INFANTIS?
De acordo com a Fiocruz, para a avaliação da ampliação da faixa etária da vacina, a Anvisa contou com consulta e acompanhamento de um grupo de especialistas que trabalham no dia a dia com crianças e imunização. A vacina foi considerada segura, imunogênica (capaz de produzir defesas) e eficaz na fase três para a faixa etária de cinco a 11 anos. Essa segurança foi confirmada por um relatório do Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, baseado na experiência da aplicação de 8,7 milhões de doses de vacinas nessa faixa etária.
CORONAVAC INFANTIL
Conforme relatório do Instituto Butantan, a composição da CoronaVac é realizada com vírus inativado, uma das tecnologias mais tradicionais, estudadas e seguras de produção de imunizantes. Isso significa que a vacina contém o vírus SARS-CoV-2 inativado, incapaz de fazer mal à saúde, mas capaz de despertar uma resposta imune no organismo. A vacina para as crianças é a mesma que já foi utilizada em adultos, com intervalo de 28 dias entre as aplicações.
A pesquisa das doses foi realizada entre 27 de junho de 2021 e 12 de janeiro de 2022, pelo Ministério da Saúde chileno, pela Pontifícia Universidade Católica do Chile e pela Universidade de Harvard, dos Estados Unidos, entre outras instituições.
Segundo dados do Instituto Butantan, foram incluídos dois milhões de crianças e adolescentes chilenos entre 6 e 16 anos para receber as doses, divididos em dois grupos: não vacinados e imunizados com duas doses da CoronaVac. Durante os resultados, os cientistas observaram que, na faixa etária entre 6 e 16 anos dos que tomaram a vacina, a CoronaVac mostrou efetividade de 74,5% para prevenir a infecção, 91% contra hospitalizações e 93,8% para evitar internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Os pesquisadores afirmaram que não foi reportado nenhum óbito nessa faixa etária durante o período do estudo e que nenhuma criança vacinada foi internada na UTI, todavia, seis não vacinadas precisaram de internação.
A CoronaVac também é aplicada em 45 países entre América Latina, Europa, Ásia, África, Oriente Médio e países do Cáucaso.
PFIZER PEDIÁTRICA
Diferentemente da CoronaVac, a vacina Pfizer para crianças possui diferenças na composição da que é aplicada em pessoas acima de 12 anos de idade.
A vacina Pfizer/BioNTech utiliza a tecnologia de mRNA, ou seja, por RNA mensageiro, que traduz informações do nosso código genético para os ribossomos, estruturas dentro das células. A Covid-19 e alguns outros vírus também são feitos de RNA.
De acordo a empresa Pfizer, apesar de ter o mesmo princípio ativo, a formulação pediátrica para crianças entre cinco e 11 anos possui concentração e estabilizante diferentes, um maior número de doses por frasco e um prazo de armazenamento maior na temperatura de geladeira entre 2 e 8°C. A tampa e o rótulo do frasco têm uma cor laranja, que é diferente da vacina para pessoas de 12 anos ou mais de idade, para destacar as duas diferentes formulações e evitar erros na aplicação.
Os estudos clínicos de Fase dois e três com a vacina foram realizados em 2.268 crianças, nos Estados Unidos, Finlândia, Polônia e Espanha, e apresentaram respostas na produção de anticorpos, além de perfil de segurança favorável.
Ainda segundo dados da Pfizer, 98% dos eventos adversos relatados são considerados não graves e, destes, grande parte é por erro de administração. A empresa afirmou ainda que o perfil de segurança foi geralmente comparável ao da faixa etária mais velha.
Até o fim ano passado, na Europa, 23 países já tinham aprovado ou iniciado a vacinação desta faixa etária contra a Covid-19.
EX-EXEMPLO PARA O MUNDO
O Brasil já foi eleito um dos países com maiores índices de cobertura vacinal do mundo, com 99,7% da população-alvo imunizada em 2016. Os dados são do Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde (IHME) da Universidade de Washington, publicados em setembro de 2017 na revista The Lancet.
Esses dados mostram o quanto o Brasil já foi exemplo global quando o assunto é vacina, porém, médicos infectologistas relatam que o país, desta vez, desapontou o mundo com a vacinação contra a Covid-19 sob diversos fatores e, agora, em relação as crianças e adolescentes.
DIREITO DA CRIANÇA À VACINAÇÃO
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é crucial na garantia da vacinação de crianças e adolescentes. Conforme determina o Artigo 14, em seu 1º parágrafo, é “obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. O descumprimento do dever de vacinar os filhos pode levar a punições que variam de leves a graves, como aplicação de multa pelo Artigo 249 do ECA ou perda do poder familiar.
Além disso, o artigo 7º do ECA estabelece que a criança e o adolescente têm direito de proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Em 2020, o Supremo Tribunal Federal definiu que a obrigatoriedade da vacinação era constitucional, e que o direito à saúde coletiva das crianças deveria prevalecer sobre a liberdade de consciência e a convicção filosófica das famílias. Atualmente, o imunizante infantil contra a Covid-19 ainda não está entre as vacinas obrigatórias no Plano Nacional de Imunização. Porém, pela Lei da Pandemia, de 2020, estados e municípios podem tornar obrigatória a vacinação infantil contra o novo coronavírus.
Autoridades sanitárias afirmam que não é preciso apenas obrigar os pais a vacinarem as crianças, mas que o Governo Federal, junto ao Ministério da Saúde, deve construir uma narrativa de incentivo à vacinação e esclarecimentos sobre os imunizantes, pois informação verídica e uma boa comunicação auxiliaria muito no avanço da aplicação das doses infantis.
A advogada Rafaela Araújo explica que “como ainda não é uma vacina obrigatória, compara-se à liberdade que os adultos tiveram de ir ou não se vacinar. Porém, continua sendo direito da criança a vacinação e aos pais a garantia da saúde do filho”.
Ela também esclarece que se a criança não tiver nenhum tipo de comprovante de que a vacina pode causar algum problema, como uma alergia, a partir do momento que os pais se recusam a vaciná-la, podem estar colocando a criança em risco, como configurado no artigo 132 do Código de Processo Civil sobre expor a vida ou a saúde do outro a perigo direto e iminente.