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Em vários momentos me pergunto: por que há tanta impunidade no Brasil? Por que raios o sistema punitivo não tem a efetividade que deveria? Por qual motivo a maioria das leis só atingem os pobres enquanto os ricos saem com as caras deslavadas, contanto vantagem, e o pior, se apropriando do que é nosso, e nada acontece?!

Pois bem, hoje, através de muito estudo e pesquisa, trago a você possíveis respostas.

Ao contrário do que a maioria das pessoas pensam, os crimes que mais atingem a sociedade como um todo não são os que mais prendem no Brasil, ou seja, aqui, nós prendemos muito e prendemos mal! Mas por que digo isto? Hoje, há no país mais de 773 mil pessoas presas; a maioria é jovem, negra e de baixa escolaridade –  e não falo isso da boca pra fora, são dados coletados do próprio Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias.

Ainda, no Brasil, os crimes mais cometidos e mais punidos são o tráfico de drogas com, mais ou menos, 163,2 mil incidências; seguidos pelos crimes contra o patrimônio, como o roubo qualificado, com mais de 115 mil; e furto simples, com 32,3 mil casos. Outras modalidades apresentam números menores, mas com tendência de crescimento. É o caso do estupro de vulnerável, que teve um crescimento de 9,3% no início deste ano, se comparado a 2019, ano no qual foram feitos 15,7 mil registros, segundo o Ministério da Justiça. Diferentemente, crimes de homicídio qualificado, por exemplo, reduziram o equivalente a 21,1% no mesmo período, ainda que mereçam nossa igual atenção.

Mas, Gabriella, isso é de conhecimento público, aonde quer chegar?

Lhe respondo com uma pergunta retórica. Na sua concepção, quais desses crimes atingem mais a sociedade em geral: o furto ou o delito de corrupção?

No meu ponto de vista, são aqueles que geram prejuízo a um direito coletivo, tais como os crimes de colarinho branco, nos quais os agentes furtam elevada quantidade de recursos públicos; ou, ainda, crimes ambientais, como foi o caso de Mariana, em Minas Gerias, que destruiu a fauna e flora de 40 milhões de metros cúbicos, sendo o maior desastre ambiental do país. Outro exemplo, ainda recente, a barragem que se rompeu em Brumadinho, soterrando 13 milhões de metros cúbicos de lama tóxica.

Vou direcionar a nossa conversa para ficar mais claro. Nos crimes de colarinho branco, os criminosos se utilizam de fraudes, informações privilegiadas, subornos e outras atividades praticadas principalmente por pessoas instruídas culturalmente e financeiramente, e que, muitas vezes, detêm cargos políticos ou possuem influência no governo. Assim, observe, o objeto é a ordem econômica; são recursos que deveriam ser investidos em medicamentos, assistências médico-hospitalares, criação de novas escolas, saneamento básico e tantas outras prioridades.

Este tipo de crime viola as estruturas de produção, circulação e consumo das riquezas do país, mas acima de tudo afeta a primazia de interesses difusos e coletivos da sociedade.

E o que acontece com estes criminosos engravatados? Eles são punidos assim como nos os crimes mais comuns?

A resposta é não. Para você ter uma ideia, o sujeito que comete o crime de tráfico de drogas, tem a sua pena estabelecida pelo art. 33, caput, da Lei. 11.343/06, entre cinco a quinze anos de reclusão. Te digo uma coisa, os donos dos negócios de tráfico de armas, drogas e munição não estão presos. Sabe quem está? Os pequenos traficantes, conhecidos como “mulas”, que tem a função de carregar, transportar, vender… enfim, os que são facilmente substituídos.

Agora, pasme! Os criminosos que respondem pelos delitos contra a administração pública no Brasil são equivalentes a 0,5% de todos os presos do país e a pena máxima para esses crimes é de doze anos.

Algum desses criminosos já cumpriu a pena máxima? Não, os condenados por crimes de colarinho branco nas últimas décadas permanecem soltos, livres e desfrutando da vida de milionários. E os quinze anos por tráfico de drogas? Sim.

Dentre os principais motivos para isso acontecer estão a dificuldade no diagnóstico e punição de crimes do colarinho branco – por conta de fatores subjetivos relacionados à equivocada inaplicabilidade da “percepção social do criminoso” aos agentes destes crimes – e, também, a dificuldade de investigação primária, porquanto as condutas são acobertadas por manobras documentais e/ou contábeis.

Ainda, nesses casos, os criminosos têm a favor de si todas as circunstâncias atenuantes, tais como possuir residência fixa, trabalho lícito, e, por vezes, ter mais de setenta anos. E, por força da lei, essas penas podem ser substituídas por restrições de direitos, ou pela prisão domiciliar; o que, cá entre nós, é extremamente difícil quando se tem uma mansão, não é mesmo?

Tudo isso para que entendamos uma coisa: criminalizar é diferente de tornar o sistema punitivo efetivo, e este, da forma como opera hoje, atinge uma parcela determinada da população, protegendo apenas os direitos dos mais ricos.

Temos um Código Penal vigente, mas totalmente retrogrado, que não acompanhou as mudanças sociais, uma vez que foi promulgado em 1940 e, de lá pra cá, sofreu pequenas modificações. Isso explica muito.

Bem, enquanto os crimes praticados por pobres forem punidos severamente e os crimes perpetrados por ricos nem abalarem o meio, existirá um círculo vicioso, em que as penitenciárias sempre serão ocupadas exatamente pelas mesmas pessoas, sem direito à tão falada ressocialização, apenas superlotando presídios, sem a mínima estrutura. E os ricos, com sua soberba, sempre ganhando mais. Mais oportunidades, mais cargos promissores, a melhor educação e formação, enfim, tudo que a gente já cansou de ver.

Mas, então, qual seria a solução pra isso? Prender ricos e lotar ainda mais as penitenciárias? Soltar todos os delinquentes? Vamos combinar assim: te respondo na próxima coluna, ok?

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Betânia
Betânia
2 anos atrás

Infelizmente, é mais fácil prender os mais vulneráveis e fazer um grande alarde em torno disso, para dar à população uma falsa sensação de segurança e de efetividade da justiça… Enquanto isso aqueles que mais lesam a sociedade como um todo, permanecem livres e com a certeza de que a “justiça” está do lado deles.