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Farpa… Objeto pontiagudo… Agulha. 

A depender da circunstância e da região do corpo por onde ela penetra, a resposta fisiológica e psíquica pode ser o relaxamento. O prazer. A depender da circunstância e da região do corpo por onde ela penetra, a resposta pode ser a tensão. O desprazer. Assim é o sexo: penetrante e capaz de gerar reações diversas. 

Falar sobre sexo me exige um raciocínio complexo e profundo. Falar sobre sexo desprotegido me exige ainda mais.  A delicadeza com a qual o assunto me pede para ser tratado merece uma breve confissão: já estive nos dois lugares, o do relaxamento e o da tensão. 

Me recordo dos beijos outrora indelicados que emudeceram as palavras e as chances da real ocorrência de um diálogo. Sem o meu consentimento, me penetraram sem preservativo.  Este ruído de comunicação me levou a um estado confuso, um emaranhado de indecisões, a começar por não saber mais como qualificar aquela situação que, em tese, deveria ser de satisfação e de conexão. 

Recorrendo à Lei n° 11.340, mais conhecida como “Lei Maria da Penha”, no artigo 7° estão tipificadas as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. No item 3, especificamente, está descrita a “violência sexual”, que é “entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a  comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos”. 

Em outras palavras, é válido afirmar que quando a não utilização do preservativo não é consentida por uma das partes durante o sexo, constitui-se uma violência sexual. 

Mas será que todas as pessoas compactuam com essa perspectiva? Adotar uma postura diante das experiências adversas da vida, quando você as vivencia, não é tão simples assim. Menos simples ainda é o julgamento.  

Será que uma pessoa que sofre violência sexual se sente vítima? Será que ela olha para a pessoa que praticou a violência como algoz? 

O momento no qual você se identifica como insatisfeita e desconectada da sua parceria sexual pode te levar a duas principais estratégias: 1. interromper o sexo; 2. tentar fazer com que o sexo melhore. E é por optar pela segunda estratégia que muitas pessoas acabam se silenciando diante do abuso, a ponto de se tornarem cúmplices dele. 

Mas essa cumplicidade não precisa ser definitiva. Refletir sobre as experiências passadas e transformar o ponto de vista faz parte dos aprendizados da vida. 

Rebobinando as memórias das conversas pelas quais minha vida foi atravessada, uma delas me chama a atenção. Trata-se de uma situação onde eu era a terapeuta e ela, a paciente. A posição de escuta dentro de um contexto de acompanhamento psicoterapêutico me reacendeu o sinal de alerta sobre algo essencial: quem vivencia o sexo precisa significá-lo à sua maneira. Se alguém que não o vivenciou impõe a sua significação, configura-se uma nova violência. 

Perguntar para quem efetivamente experienciou o sexo sem preservativo não consentido sobre “como foi a experiência pra você?”, “o que você acha disso?” e “qual a sua posição sobre o que aconteceu?” devolve à pessoa as chances de exercitar uma comunicação sexual onde sua voz é ouvida e respeitada. 

“Eu queria que ele tivesse me perguntado”, ela me respondeu. A frase ecoou em mim de tal forma…  Silenciosamente, pensei: é, eu também queria que tivessem me perguntado. 

Mais que afirmar o sexo, é preciso questioná-lo. Até hoje me questiono sobre o que faz com que as pessoas tomem decisões de risco para si e para as outras sem comunicar devidamente sobre essa decisão. As respostas podem ser várias: falta de informação, falta de consciência sobre os riscos, falta de consideração com a outra pessoa… Em essência, algo falta. 

O que falta a cada um precisa precisa ser cuidado por cada um. E, ao mesmo tempo, por todos. 

No que me cabe, irei perguntar: posso contar contigo para nutrir com as pessoas à sua volta interações mais transparentes e menos egoístas? 

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