Nas eleições deste ano, 2,1 milhões de jovens entre 16 e 17 anos poderão votar. Em 2018, o número era de 1,4 milhão. O crescimento equivale a 51,13% na faixa etária, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Apesar de trazer uma perspectiva otimista, os números foram fortemente influenciados por mobilizações e campanhas de conscientização nas redes sociais.
Logo nos primeiros três meses do ano, o cenário era pessimista. De janeiro até março, os dados indicavam 1.051.000 registros de adolescentes entre 16 e 17 anos com títulos de eleitor, o menor número de aptos a votar em 20 anos. Em abril, após as primeiras movimentações na internet, 991.415 jovens com o primeiro título foram registrados, um salto de 89,7% quando comparado ao mês anterior.
A falta de engajamento político vem como reflexo de fatores como o aumento da percepção de corrupção no Brasil, a consequente descrença nas instituições democráticas brasileiras e a intensificação da polarização política.
Kamila Silva, gestora do Núcleo de Educação Básica da Politize!, aponta para um cenário de descrédito da política tradicional. “Observando algumas falas comuns de jovens, principalmente em sala de aula, quando discutíamos questões políticas, muitos traziam a descrença em todos os partidos e representantes políticos, assim como o receio de entrar em debates políticos-ideológicos”, diz.
Da mesma maneira, o comportamento não é só observado nos jovens. “Se a gente fosse comparar as gerações, os jovens são mais engajados em política do que seus pais, por exemplo”, frisa Alexsandro Santos, presidente da Escola do Parlamento (EP) da Câmara Municipal de São Paulo.
A educação política tem grande responsabilidade no entendimento do papel como cidadão e na compreensão e partilha dos valores democráticos, como aponta Silva. Por isso, é necessário se atentar ao meio do caminho: abrir a caixa preta da política.
Os dados referentes aos meses de janeiro a março divulgados pelo TSE indicavam que, se nada mudasse, estas seriam as eleições com menor participação de jovens de 16 e 17 anos desde 1990, primeiro ano dessa contagem. Como reação, mobilizações de campanhas, grupos e artistas pop, como Anitta, Luisa Sonza ou mesmo Leonardo DiCaprio e Mark Ruffalo, motivaram e ensinaram os jovens a tirarem o título de eleitor.
Entre as articulações nas redes sociais, está o tuitaço promovido pelo TSE, as campanhas digitais Olha o Barulhinho e #SeuVotoImporta, além do engajamento de páginas e perfis de memes. Figuras de influência e conteúdos com linguagem amigável aproximaram os jovens do processo de habilitação eleitoral.
Agora, o desafio é continuar envolvendo esse público durante o restante do processo. “Isso não pode parar aí. Temos que continuar pedindo para os jovens prestarem atenção na política. Temos que ter uma preocupação com os conteúdos veiculados naquelas mídias”, enfatiza Santos. Ao pensar em habilitação eleitoral de jovens, é necessário pensar no que vem depois, mas, também, o que vem antes.
EDUCAÇÃO POLÍTICA E O CURRÍCULO ACADÊMICO
Hoje, os currículos escolares são fundamentados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Entretanto, existe ainda um desafio na implementação das diretrizes, conteúdos e competências curriculares em sala de aula.
Durante a ditadura civil militar, o currículo escolar contava com duas disciplinas para o ensino da política: educação moral e cívica, e organização social e política do Brasil. “Elas não ensinavam a política a partir de uma perspectiva democrática, mas de uma perspectiva autoritária comprometida com os valores do governo que estava dirigindo o país naquele momento”, conta Santos.
Com a redemocratização, grupos de professores se opuseram à continuidade das disciplinas. Todavia, não foram desenvolvidas novas disciplinas que suprissem a lacuna. “Imaginamos que os professores de história, geografia, sociologia e filosofia fossem dar conta de ensinar esses conteúdos sem ter uma disciplina específica de educação política para cidadania, e isso não aconteceu porque os professores dessas áreas têm outros conteúdos para ensinar também”, completa Santos.
A BNCC não é vista como um currículo, mas como um conjunto de orientações que norteiam as equipes pedagógicas na elaboração dos currículos locais. Assim, ela não prevê conteúdos específicos para a educação política, mas estabelece que os jovens cumpram competências relacionadas à participação política e cidadania.
Para que esse assunto não acabe ‘perdido’ dentro de outras disciplinas e áreas do conhecimento, que já estão comprometidas com um conjunto de conteúdos, Alexsandro afirma que faltam lugares específicos no currículo escolar para a política, além de materiais didáticos e formação metodológica para os professores.
Existe, assim, a necessidade de traduzir os pedidos da BNCC. “Não estou dizendo que devemos inventar uma disciplina, mas precisamos discutir como voltamos a fazer educação política para a cidadania, agora em uma perspectiva democrática. Como podemos produzir materiais didáticos?”, questiona o presidente da EP.
“Acredito que falta muita coisa no currículo acadêmico sobre política. Deveria se propor a mostrar que política não se refere apenas ao candidato que votaremos no futuro, mas também a movimentos estudantis, grêmios estudantis. Mostrar que qualquer ato que você realiza no meio social é, sim, uma forma de política”, diz Endrio Silva, acadêmico de Psicologia na Universidade Federal de Roraima (UFRR) e presidente da Associação dos Estudantes de Roraima (ASSOER).
EDUCAÇÃO POLÍTICA NA SALA DE AULA
Endrio teve o primeiro contato com a política através de matérias como sociologia e filosofia no ensino médio. Entretanto, sentiu uma precarização nos conteúdos com o ensino remoto durante a pandemia de covid-19 e começou a se aprofundar nos assuntos de maneira independente, com pesquisas na internet. “Acredito que falta muito conteúdo para ser mostrado aos alunos sobre como a política envolve todos.”
O incentivo para seguir o caminho na política não veio através dos conteúdos relacionados em sala de aula, mas da insatisfação. “A escola é o nosso primeiro contato com o mundo e o meio social. Então, a partir das primeiras insatisfações na escola, como a merenda ou a forma e local de ensino, é que comecei a pensar nisso”, conta ele.
Sua escola não possuía Grêmio. Um dos encorajamentos para seu envolvimento no movimento estudantil foi o Coletivo Mosaico, projeto que incentiva o protagonismo jovem. “Acabou sendo um empurrão para eu seguir esse caminho, entendendo que tem como mudar as minhas insatisfações e coisas erradas que eu, como adolescente, via.”
Marcus Vinícius Ribeiro, estudante de medicina na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que compõe a executiva do Diretório Central dos Estudantes (DCE), tem uma perspectiva diferente: começou a aprender sobre política verdadeiramente com o currículo formal do ensino fundamental. “Eram boas discussões na aula de história, de geografia, de geopolítica, de sociologia. Analisamos inclusive o momento político que estávamos vivendo. Especialmente em 2017, tivemos outra proporção com o golpe e com a Emenda Constitucional 95”, pontua.
Ele estudou na COLTEC, colégio técnico da UFMG. Participou do Grêmio Estudantil e, com as ocupações, se inseriu no movimento estudantil. “Acho que tive uma formação privilegiada. Destacavam a importância da política, da organização dos estudantes, desde o Grêmio até as questões nacionais. E acho que é bem diferente do que vemos hoje”, pontua Ribeiro. Quando entrou na graduação, em 2017, fundou o primeiro coletivo negro da medicina na história da UFMG.
LETRAMENTO E ENGAJAMENTO
A falta de adesão marca uma das principais contradições apontadas por Santos: “Vejo jovens engajados em outras formas de fazer política, construindo coletivos a partir de causas lgbtqia+, causas ambientais. Parece uma contradição que os jovens estejam interessados em temas políticos muito importantes, mas estejam desinteressados da atividade política tradicional institucional partidária”, reflete.
Melhor do que aprender política na sala de aula é fazer política. “O processo educacional é uma grande chave, mas não é só fazendo educação escolar. Se for só na escola, não vai funcionar”, diz Alexsandro.
“Aprendi política na rua, no fazer. As mobilizações que participei contribuíram para que eu entendesse a importância de estar organizada politicamente, porque os problemas causados pelo capitalismo nos afetam enquanto coletivo e devem ser resolvidos coletivamente”, conta Isa Sena, militante do Levante Popular da Juventude, Diretora de Comunicação da União Nacional dos Estudantes (UNE) e estudante de Rádio, TV e Internet na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Sena conta que chegou ao Levante Popular da Juventude através das lutas organizadas em reivindicação do piso salarial dos professores da rede estadual pública de ensino de Pernambuco. Os estudantes se organizaram e criaram a campanha “Meu Professor Merece”, aglutinando estudantes do litoral ao sertão para somarem à luta dos docentes e reivindicaram melhorias nas estruturas sucateadas das escolas.
Depois, ela passou a participar das atividades internas do movimento, como atos de rua, encontros e lutas diversas. Quando entrou na UFPE, construiu o Diretório Central dos Estudantes e ativou o Diretório Acadêmico de Gastronomia, onde ocuparam a universidade contra a EC 95. “Ninguém me incentivou a seguir este caminho, mas minha mãe sempre incentivou o senso crítico às coisas”.
Ela aponta que os próprios jovens também foram protagonistas na campanha para a tiragem de título de eleitor. A UNE, por exemplo, se articulou para realizar mutirão de tiragem de títulos em diversas escolas e bairros em todo o Brasil.
E AGORA, O QUE FAZER?
“Queremos que eles participem da política, mas sem abrir a caixa preta. Tem que fazer letramento político para permitir que os jovens ocupem esses espaços”, alerta Santos. Mesmo entre as faltas e lacunas da educação política no currículo acadêmico, alunos encontram os meios para se articularem em movimentos sociais e estudantis para reivindicarem as causas que os cercam. Muitas vezes, faltam apenas espaços abertos para os jovens desmistificarem o processo político.
“Se você fizer uma análise dos principais partidos políticos do Brasil, com raríssimas exceções, os jovens não são convidados a ocupar espaços de poder. O partido político é gerido e pensado a partir dos adultos e, em alguns casos, até dos idosos. E aí o jovem começa a participar e percebe que não tem voz e abertura para liderar processos”, aponta Santos.
“A gente não faz com que esses espaços sejam espaços convidativos para os jovens”, reforça o presidente da EP. Para reverter esse cenário, ele aponta não só para a educação política nas escolas, mas para o incentivo da participação ativa de jovens na política local, nas fundações partidárias, o envolvimento de diferentes órgãos do poder público e a responsabilidade dos meios de comunicação.