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De acordo com o Ministério da Educação, o novo ensino médio será implementado em escolas públicas e privadas de todo o país a partir de 2022. O planejamento estipulado é de que o novo modelo inicie a partir da turma de 1º ano do ensino médio neste ano e que, gradativamente, toda implantação seja concluída até 2024.

As mudanças na estrutura do ensino médio são consideráveis: elas trazem uma nova organização curricular, assim como o aumento na carga horária que passa de 800 horas anuais para 1000 horas, totalizando, ao final do 3° ano, 3000 horas. A pretensão inicial era de que a implantação começasse em 2021, contudo, em razão da pandemia, foi adiada para este ano.

A doutora em educação e membra do Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Norte, Cláudia Santa Rosa, afirma que uma atualização da proposta de ensino médio brasileiro precisava ser realizada porque era muito desconectada das demandas da sociedade e do meio social em que os jovens estão inseridos – uma das causas para a alta taxa de evasão escolar. De acordo com a Pnad Contínua 2019, o número de jovens de 15 a 17 anos fora da escola sem a conclusão do ensino médio era de 680 mil.

O QUE MUDA NO NOVO ENSINO MÉDIO?

Além da alteração na carga horária mencionada, a Lei 13.415/2017 compõe o novo ensino médio a partir da separação em dois blocos; o currículo da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a diversificação curricular, caracterizada por cinco itinerários formativos, a saber:

  • Ciências da Natureza e suas tecnologias;
  • Ciências Humanas e Sociais aplicadas;
  • Linguagens e suas tecnologias;
  • Matemática e suas tecnologias e
  • Formação Técnica e Profissional.

De acordo com o MEC, dentro da parte diversificada, o aluno poderá escolher os itinerários formativos que estiverem mais alinhados aos desejos profissionais em detrimento dos outros, como por exemplo: caso o estudante queira cursar física no ensino superior, poderá escolher se aprofundar no itinerário de Ciências da Natureza ao invés de Ciências Humanas e Sociais.

A BNCC define que 60% do currículo será de parte obrigatória. Ela está organizada por áreas de conhecimento e estabelece as competências específicas que devem ser atingidas em Português e Matemática. Já na parte diversificada, a proposta é formada pelos itinerários, pelo projeto de vida, oficinas e atividades opcionais. Os denominados itinerários integrados, em que há a mistura de áreas diferentes, também poderão ser realizados.

O QUE JÁ FOI FEITO

O professor doutor Eduardo Deschamps, ex-presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), diz que em 2012 o então Ministro da Educação, Aloízio Mercadante, em uma reunião do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), encomendou uma proposta de mudança no ensino médio e ali começaram as discussões acerca do tema.

“Os resultados educacionais que o Brasil tinha no ensino médio estavam estagnados ou até mesmo em queda. Nós víamos resultados muito ruins nas avaliações. As etapas da educação básica estavam crescendo, mas o ensino médio, na verdade, estava regredindo. Ao mesmo tempo, quando comparadas as avaliações internacionais, os alunos brasileiros com mais de 15 anos também não tinham desempenhos muito bons”, afirma ele.

Em 2013, o Projeto de Lei 6840 surge com o objetivo de promover proposições para a reformulação do ensino médio, de modo a sugerir a jornada em tempo integral para a modalidade de ensino e dispor sobre a organização dos currículos.

Em 2016, o Governo Federal – na época presidido por Michel Temer – encaminhou ao Congresso Nacional a Medida Provisória 746 para reformulação do ensino médio. A MP causou grande comoção na comunidade escolar e houve diversos protestos de estudantes e professores, além da ocupação de escolas em todo país. O principal argumento dos manifestantes era a falta de uma explicação clara acerca das mudanças propostas e o receio de que a reforma do ensino médio provocasse um comprometimento da educação pública.

Estudantes protestam conta a reforma do ensino médio. Foto: Mídia Ninja

Em 2017, entrou em vigor a Lei 3.415 que instituiu o novo ensino médio e, no ano seguinte, foi aprovada a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A partir de 2019, começou o processo de implantação em algumas escolas-piloto e, em 2022, o novo formato passa a valer oficialmente em todas as escolas do país.

CONTROVÉRSIAS

Apesar da ideia da necessidade de uma reformulação na estrutura pedagógica do ensino médio ser de concordância entre a maioria dos educadores, há a discussão acerca de que a proposta aprovada não seja o melhor formato a ser seguido no Brasil.

Para que o novo currículo seja posto em prática, é necessário, devido à nova carga horária, que a escola tenha uma infraestrutura capaz de suportar alunos durante todo o período de atividades escolares, principalmente naquelas que oferecem três turnos e/ou ensino noturno. Além de ter uma equipe docente preparada, materiais didáticos, entre outros.

Alguns críticos da proposta temem um aumento ainda maior na desigualdade educacional do país. De acordo com o Movimento pela Base, até o fechamento dessa reportagem, cinco estados ainda estão com o referencial curricular sob aprovação, sendo eles: Acre, Alagoas, Bahia, Rondônia e Tocantins. Consequentemente, há uma disparidade na implementação do currículo.

Para Eduardo Deschamps, a desigualdade não está relacionada diretamente com a questão curricular e diz que o novo ensino médio trará uma adaptação ao currículo.

“A adaptação pode fazer muito sentido para cada realidade local. O Amazonas, por exemplo, poderá ter um currículo muito mais voltado para uma formação que esteja alinhada com o desenvolvimento sustentável da região. Enquanto, em São Paulo, pode ser outro tipo de currículo sendo traduzido por conta das diferenças regionais que a gente tem do ponto de vista econômico, cultural e social. Então, quando o currículo fica mais próximo para a realidade local, a tendência é de preparar melhor as pessoas para aquela região e esse é o objetivo: adaptar as pessoas para as condições que elas têm”. explica.

Ele afirma que a flexibilização do currículo torna o ensino mais significativo para os estudantes. Além da parte comum, dada pela Base Nacional Comum Curricular, haverá uma outra parte mais alinhada com os interesses dos estudantes, cujo formato permitirá que o aluno vá mais bem preparado para o mercado do trabalho, refletindo em uma remuneração melhor e na possibilidade de cursar o ensino superior posteriormente.

“O Brasil tem em torno de 20% dos alunos de 18 a 24 anos no ensino superior, o que significa dizer que não temos uma parcela significativa de alunos que saem do ensino médio e vão direto para a universidade. A meta que o país tem do Plano Nacional de Educação é ter 30% dos alunos nesse nível de ensino. Portanto, 70% iriam fazer um ensino médio vazio que só preparava para o ENEM, mas ao concluir a educação básica, não passavam na prova ou nem se quer faziam ela”, diz Deschamps.

Por outro lado, ele também concorda que houve uma falha no processo de comunicação da mudança proposta à sociedade e a atribui ao momento político conturbado vivido pelo país em 2016.

RECURSOS

O Ministério da Educação instituiu o Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio (ProNem) com o objetivo de apoiar técnica e financeiramente as secretarias de educação estaduais e do Distrito Federal na implantação. Porém, grande parte de financiamento da educação básica provém do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), que possui recursos arrecadados através de impostos e das transferências realizadas por Estados, DF e Municípios.

Sendo assim, o recurso que provém da União possui apenas caráter de complemento, uma vez que a principal fonte é de Estados e Municípios. Ou seja, as diretrizes são dadas pelo Governo Federal para haver a mudança, mas o “grosso” do financiamento da educação básica, em particular do ensino médio, não é dado por ele.

O novo modelo requer adequações às escolas, o que gera impactos financeiros. A diretora executiva do IDE (Instituto de Desenvolvimento da Educação), Cláudia Santa Rosa, afirma que os jovens precisam encontrar nas escolas um ambiente pedagógico que os acolha e os faça sentir que vale a pena continuar ali. Ela diz que se o novo ensino médio for implementado com cautela, considerando as diferentes realidades sociais, poderá ser considerado com o aspecto de inovação e de atratividade, mas, se não houver preparo e estrutura, corre o risco de ser um fator de afastamento.

“É preciso ter muito respeito a esses jovens e garantir desde o básico, que é o professor. Porque em muitos lugares faltam professores. Então, não adianta estruturar itinerários, fazer uma proposta muito bonita e o jovem chegar à escola e não ter o professor de matemática ou história. Isso é falta de respeito aos jovens em um país que tem uma dívida educacional histórica. A gente não consegue garantir equidade e justiça social, sem garantir uma educação que funcione de forma digna. Então tudo depende de como estará a arrumação”, finaliza Cláudia.

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