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Com a necessidade de isolamento social provocada pela pandemia da Covid-19, escolas, professores, pais e alunos tiveram que se adaptar à modalidade de ensino à distância. O uso da tecnologia virou ferramenta essencial, mas com ela surge um novo problema: pessoas mal intencionadas estão invadindo aulas online e transmitindo vídeos e imagens pornográficos para os alunos.

Por causa da facilidade em acessar os links, hackers de qualquer parte do mundo podem invadir as aulas e, além de cometerem crimes ao realizar essa ação, causam danos e prejuízos no processo de aprendizagem das crianças.

Segundo a pedagoga Josiane Kuchel, as invasões trazem problemas na aprendizagem uma vez que o foco na aula é perdido, podendo gerar até uma curiosidade em saber mais sobre o que está sendo exibido.

Além disso, o processo de adaptação das crianças às aulas online já foi muito difícil por si só, sobretudo para as crianças menores, como exemplifica a também pedagoga Julia Litro Mietto:

“Por mais que as crianças já tenham nascido em uma era digital, muitas ainda estão em processo de alfabetização, tanto do processo natural e já conhecido, quanto de uma ‘alfabetização virtual’, e ainda não apresentam autonomia ou preparo para lidar com tantas informações. Muitas delas não sabem abrir uma nova guia/aba ou mal sabem o que isso significa. Imagine só: você, com 7 anos, privado de ir ao ambiente escolar, passando de 5 a 6 horas em frente ao computador, sentado, com regras a serem seguidas para que a aula tenha andamento e ainda é exposto a imagens desconhecidas e chocantes.”

Julia explica que conteúdos pornográficos não só chocam, como ainda podem gerar traumas mais profundos que precisarão ser tratados com profissionais.

“Muitas crianças ainda nem aprenderam sobre corpo humano, órgãos reprodutores e nem imaginam o que é o ato sexual. O conteúdo pornográfico aborda o ato com cenas explícitas e não retrata dignamente o que é o sexo, podendo gerar aversão, medo, ansiedade, desconforto, adultização precoce, entre outras consequências negativas.”

O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus 17° e 18° artigos, prevê a toda criança o direito à inviolabilidade psíquica e moral, além de velar por sua dignidade, colocando-a a salvo de qualquer tratamento vexatório e constrangedor. O ECA também se coloca contra a exposição de conteúdo pornográfico para menores de 18 anos, no artigo 241°A e contra a corrupção de menores no artigo 244B.

Um do grandes problemas da situação é o despreparo do ensino público a fim de impedir que invasores acessem as aulas. Os crimes evoluem na mesma proporção da tecnologia e ficam cada vez mais complexos. O processo de investigação se baseia, principalmente, na identificação do IP (Internet Protocol), que é o identificador de cada dispositivo informático, como se fosse um documento de RG. Esse número, combinado a uma data e horário, pode facilitar a localização de um usuário da internet em qualquer parte do mundo, como também a rede de internet, aparelho utilizado e endereço residencial.

Segundo a criminalista Gabriella Miranda, a investigação nesses crimes depende de como a polícia toma ciência da conduta criminosa. Se já existirem algumas provas, o início das investigações é facilitado. Havendo autorização judicial de quebra de sigilo, tem também a possibilidade de conhecimento dos registros de acesso, permitindo rastrear e identificar de onde surgiu a conduta ilícita, além de apontar o compartilhamento de conteúdo criminoso.

O advogado penalista Waldir Gomes Magalhães indica que o hacker comete diversos crimes. O primeiro é o de invasão de dispositivo informático, previsto no artigo 154°A do Código Penal. “Toda vez que alguém, no caso o hacker, invade o computador de uma determinada pessoa, comete um crime. Com pena de reclusão prevista de um a quatro anos somado ao pagamento de multa”

Soma-se a isso o artigo 218°C, que trata da proibição em divulgar cenas pornográficas a menores de idade, com pena maior, de um a cinco anos de prisão. Se o criminoso utilizar uma identificação falsa, ele se enquadra, ainda, no artigo 307°, conforme indica Gabriella.

A Convenção sobre os direitos da criança, produzida pela Assembleia Geral da ONU em 1989 também determina que sejam garantidos os direitos das crianças pelos Estados Partes, como é o caso do Brasil: “Os Estados Partes devem adotar todas as medidas necessárias para assegurar que a disciplina escolar seja ministrada de maneira compatível com a dignidade humana da criança e em conformidade com a presente Convenção.” Artigo 28°

Além disso, o documento também garante que as crianças vítimas de prejuízos tenham uma recuperação psicológica assegurada por parte dos Estados devido a qualquer dano causado por negligência.

O QUE FAZER QUANDO A SITUAÇÃO OCORRER?

Para a pedagoga Josiane Kuchel, devido aos compromissos do dia a dia, muitos pais não conseguem acompanhar as aulas, mas sempre que possível, é bom que o adulto responsável acompanhe o desenvolvimento da criança.

“Caso ocorra a invasão, os pais devem se posicionar. É bom que eles utilizem uma linguagem clara e adequada para cada faixa etária e que passe confiança aos seus filhos, para que eles possam conversar sobre o ocorrido e tirar todas as dúvidas.”

No caso dos professores que tiverem suas aulas atacadas, o ideal é que eles mantenham a calma e peçam aos alunos que saiam da frente do computador e busquem por algum adulto. As aulas online requerem responsabilidade compartilhada, já que tanto a instituição escolar quanto a família buscam pelo bem estar das crianças, conforme indica Julia Mietto.

A criminalista Gabriella afirma que é importante que o responsável pela aula online grave a tela do computador, capture imagens, áudios ou até mesmo a identificação (nome de usuário) do invasor. Essas são ações que podem auxiliar no processo de investigação.

COMO DIFICULTAR A AÇÃO DOS CRIMINOSOS?

Várias táticas podem ser adotadas para a resposta à pergunta: a primeira e principal delas é desativar a possibilidade dos alunos compartilharem conteúdos, com acesso somente do professor para essa função; desabilitar também a ferramenta de acesso rápido é outra alternativa importante, assim o aluno terá que passar por aprovação do professor para poder entrar na aula; além disso, uma boa precaução é conceder permissão para iniciar ou transmitir reuniões apenas às escolas e professores; finalmente, existem ferramentas virtuais, como o Google Meet, que monitoram o desempenho da reunião e podem ser aliadas.

“O essencial, na verdade, é sempre exigir senha e fazer uma divulgação dos links das aulas e das páginas de convite de evento, somente para as pessoas cadastradas na instituição. O Google tem ferramentas de segurança que permitem acesso a apenas quem tem matrícula na escola, por exemplo”, afirma Gabriella

Em complemento a isso, o advogado Waldir Gomes diz que o Estado deve proporcionar um investimento maior em proteção para toda a rede de ensino das escolas e no preparo dos professores para que episódios de invasão às aulas possam ser cada vez mais evitados e o ensino das crianças mais eficiente.

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