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Uma cachoeira. Árvores altas com folhas bem verdes cercam a água e o céu está azul. Ao fundo, os pássaros cantam. Você também consegue ouvir saguis pulando de galho em galho, curiosos com a sua presença. Ao olhar ao redor, só está você. Mais ninguém. 

Foi esse o sonho de muita gente durante o último ano de pandemia de Covid-19. Se afastar de aglomerações, ver paisagens lindas, se sentir pequeno em meio a um mundo tão vasto de fauna e flora e, claro, sair dos centros urbanos: onde tudo é apertado e cinza. 

Não à toa, a procura por viagens domésticas para destinos com belezas naturais aumentou entre os brasileiros. 

É isso que mostra uma pesquisa feita pela Viajanet, uma agência virtual de notícias. Ela fez o monitoramento de buscas e compras de passagens, com o objetivo de analisar para onde os turistas mais queriam ir desde outubro de 2020.

O resultado é simples: a maioria dos brasileiros que puderam viajar se transformaram de turistas para ecoturistas. 

De uma forma geral, eles buscaram destinos próximos, em que a viagem pode ser curta e, acima de tudo, com muita natureza. Algumas das cidades mais procuradas foram Bonito (MS), Chapada Diamantina (BA), Chapada dos Veadeiros (GO), Foz do Iguaçu (PR), Brotas (SP) e Jalapão (TO). 

Mas o que essa alta procura significa? Ela é a resposta para um chamado da natureza, que vem sendo maltratada há tanto tempo?! Ou será que é um sentimento egoísta, de querer ocupar lugares preservados?!

O QUE OS TURISTAS DE NATUREZA TÊM A DIZER?

Tailândia, Jamaica, Indonésia, Filipinas, Chile, Bonito e Jalapão: esses foram apenas alguns dos destinos que a Aline Lemos visitou. Com tanta experiência na bagagem, ela até mesmo criou um perfil nas redes sociais com o lema “Apenas Viaje”. 

Quando os casos de Covid-19 começaram a ficar preocupantes no mundo, ela estava nas Filipinas – viagem que precisou ser interrompida antes do previsto. Voltando ao Brasil, ela se viu presa em um apartamento em São Paulo, para cumprir com o isolamento social. Mesmo estando acostumada a estar em contato com o meio ambiente, foi nesse momento que Aline percebeu a falta que ele faz. 

“Durante esse período que a gente ficou trancado – e ainda está – me deu muito mais vontade de estar em contato com a natureza, mesmo que não seja viajando. Eu me lembro que a primeira vez que a gente foi para uma fase da pandemia em que os parques abriram (…) a primeira coisa que eu fiz foi atravessar a rua, ir no parque e andar descalça na grama”, relata Aline. 

Para ela, os próximos destinos de viagens vão ser próximos à natureza. Ainda assim, ela faz a primeira ressalva desta reportagem sobre o que (não) é ecoturismo: 

1. “Falta muita consiência do turista em si: muita gente quer viajar para lugares assim (de natureza) só porque vê uma foto bonita no Instagram, só porque quer reproduzir aqueles locais, mas não tem essa consciência de preservação. A gente vê muito lixo e isso é muito triste. Cada vez mais a gente precisa conscientizar a população em geral e os turistas que querem ir para lugares remotos, para a natureza.”

Antes da segunda dica é preciso conhecer um pouco da história da Júlia Borges e do Felipe Torres, que no Instagram são conhecidos como @ahoradeir. O casal está há mais de 60 dias ininterruptos viajando pelo Brasil em uma motorhome. 

Antes da pandemia começar, eles já tinham decidido largar a vida corporativa e tirar um ano sabático para conhecer as belezas naturais de outros países. Mas, com a Covid-19, eles resolveram usar o dinheiro para construir uma van e conhecer o Brasil – algo que poucos realmente fazem. 

Júlia e Felipe sempre amaram a natureza. A primeira viagem do casal foi para Ilha Grande. Mesmo nas idas para o exterior, eles optavam por regiões mais distantes, ao invés de escolherem grandes centros urbanos. 

“A gente consegue nos conectar com a natureza e sair daquele mundo agitado. Outro motivo é porque tem menos pessoas. Não que a gente não goste de pessoas, mas assim a gente consegue relaxar mais”, comenta Felipe. “A nossa vontade de viajar vem de querer ver coisas bonitas e diferentes e também se sentir bem, tranquilos, relaxados. Normalmente em cidades grandes a gente se sente mais estressados”, complementa Júlia

Mesmo buscando pela paz, o casal percebeu que alguns pontos turísticos de natureza foram invadidos por pessoas que não ligam para o meio ambiente e nem mesmo para a pandemia. Eles contam que um desses locais foi o município de Capitólio, em Minas Gerais. 

“Estava muito cheio, com disputa de som. As pessoas não se conectam com o local. Quando você está com o som alto, está em outro lugar”,  eles contam. 

Mas esse acontecimento foi uma exceção, de acordo com os influenciadores de viagem. Eles ressaltam que a maioria dos lugares onde o ecoturismo é comum, como parques nacionais, conta com a presença obrigatória de guias, para evitar que os visitantes deixem o som alto ou joguem lixo no chão, por exemplo. 

Por falar em lixo, essa é a segunda dica do guia sobre o que (não) é ecoturismo: 

2. “Sempre quando a gente vai fazer uma trilha, a gente leva uma fruta. Antes, a gente jogava a casca da mexerica, por exemplo, no pé de uma árvore. Só que a questão é a seguinte: quando você está em um local pouco visitado, não tem problema jogar uma casca de banana. Agora, imagine se 500 pessoas, todos os dias, jogarem essa casca na trilha?! Isso vai poluir visualmente e vai atrair bichos. Esses alimentos não são naturais daqueles animais.”, explica Felipe. 

JOGAR LIXO ORGÂNICO EM PONTOS DE ECOTURISMO É REALMENTE PREJUDICIAL?

A resposta simples e direta é “sim”. Por mais inofensivo que o ato parece ser, jogar lixo orgânico ou até mesmo deixar fezes em áreas de preservação ambiental, pode causar muitos problemas para a natureza. 

A bióloga e doutora em Biologia Vegetal pela Unicamp, Thuane Bochorny, explica.

“Existe a questão da medicação nas fezes e urina humanas que contaminam a água e os animais, que se alimentam dos dejetos. Já as cascas de frutas têm alto teor de agrotóxico. A inserção de veneno nesses ambientes de natureza e no organismo dos animais muda a dieta deles, o que pode levar também a uma mudança de comportamento. Inclusive existe uma discussão, se nesses casos eles deixariam de ser animais silvestres e se tornariam domésticos, por comerem restos de comida humana”, enfatiza a doutora. 

Thuane relembra que lixo reciclável também causa danos, que podem ser irreversíveis. “O lixo não orgânico, como plástico e alumínio, leva muito tempo para se decompor e pode ferir os animais. Ele também pode ser ingerido por engano e levar os bichos à morte”. 

Ela acrescenta que os problemas de poluição visual e de mau cheiro causam estragos nessas áreas de proteção, que são criadas justamente para minimizar o impacto humano. 

AS PROBLEMÁTICAS DO EMPRESARIADO DE ECOTURISMO

“Acreditar na coexistência entre meio ambiente e sociedade”. Essa sempre foi a ideia da Nascente Azul, uma atração turística que conta com mergulhos, tirolesa, flutuação e balneários em Bonito, no Mato Grosso do Sul.

Em 2008, o lugar começou como um terreno embargado, destruído e desmatado. Com esperança, Carlos Eduardo Rodrigues, um dos sócios do atual atrativo, resolveu apostar no espaço mesmo assim. 

Na época, ele contratou uma empresa para fazer um masterplan de recuperação para o local. Os resultados foram tão positivos que até hoje existe um trabalho de cuidado com o meio ambiente.

“Tudo o que é feito na Nascente Azul tem um estudo de viabilidade, mas o grande juiz é a própria natureza”, diz Carlos.  

Em 2020, o juiz deu a sentença: onças, sucuris e jacarés foram avistados na propriedade com o auxílio de câmeras noturnas. Algo, que segundo o empresário, só acontece com ações de recuperação ambiental. 

Ainda assim, Carlos admite que o ecoturismo não é compreendido no Brasil. Para ele, muitas áreas são sub ou mal aproveitadas, o que pode gerar degradação da natureza. Ele sugere que isso pode acontecer pelo desconhecimento de regras por parte dos empresários. 

Já para Luiz Del Vigna, diretor executivo da Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura (ABETA), existem três problemas centrais sobre essa prática no país: saneamento, ordenamento e informalidade. 

Luiz conta que prefeitos e empresários de cidades pequenas pedem auxílio para implementar o ecoturismo nos seus municípios, mas não têm infraestrutura. Ele menciona a terceira dica deste guia, voltada principalmente para empreendedores e gestores:

3. “Se você não resolveu o problema de saneamento básico, por que você quer implementar o turismo?”, ressalta o diretor da ABETA. Ele levanta esse ponto pois, quando há o aumento do fluxo de pessoas, esse tipo de problema tende a se intensificar. 

Com relação à questão de ordem, a Jhenifer Valentim, moradora e empresária na Ilha do Mel (PR) pode explicar. Ela tem uma pousada no local e é engajada em ações de proteção ao meio ambiente, como a limpeza das praias. 

De acordo com ela, existe muito lixo internacional, que vêm do mar, diretamente do Porto de Paranaguá. Mas o problema dos resíduos também vem da falta de conscientização ambiental. 

“Ainda falta bastante infraestrutura, como a questão da comunicação com o turista. Antes a gente tinha um receptivo, que ficava no trapiche para orientar as pessoas. Às vezes, ele dava até sacolinha de lixo, para os turistas retornarem com os resíduos e não os deixarem na ilha”, conta Jhenifer. 

Ela reforça que turistas não respeitam o ambiente. “Tem um público que vem e não respeita nada. Eles ficam com a caixinha de som estourando. Chegam de barco, vão até a área de parque, levam um monte de lixo e deixam ele lá”.

Finalmente, Jhenifer afirma que durante os feriados, esse tipo de público aumenta na Ilha do Mel. Nesse caso, a falta de ordenamento e a informalidade, que foram mencionados por Luiz Del Vigna, causam estragos em um ambiente natural. 

COMO OS EMPRESÁRIOS PODEM MANTER A ORDEM AMBIENTAL NOS SEUS PONTOS?

O biólogo Luiz Roberto Francisco explica que empreendimentos turísticos devem passar por um processo de licenciamento ambiental, junto a órgãos municipais e estaduais da localidade em que o atrativo está inserido. 

O chamado licenciamento clássico necessita de três etapas: licença prévia, de instalação e de operação. 

“Quando alguém pretende empreender, sendo uma atividade passível de licenciamento ambiental, o empreendedor tem que apresentar os documentos dele, documentação da área e a atividade que ele pretende desenvolver. O órgão ambiental vai avaliar essa questão. Esse órgão vai analisar a documentação, fazer uma vistoria no local para confrontar as informações e dizer se isso está dentro da legislação ou não. Com isso o órgão vai emitir uma licença prévia, dizendo que o empreendedor pode avançar nos projetos. ”, explica Francisco

Após essa etapa, o órgão ambiental continua emitindo licenças, enquanto o empreendimento estiver de acordo com a lei. 

O FUTURO DO ECOTURISMO

A dica final deste guia, não poderia ser outra:

4. Descubra o Brasil!

Previsões da ABETA indicam que o setor vai se estabilizar até 2023. “Essa é uma oportunidade para os brasileiros descobrirem o Brasil”, estimula o diretor executivo da associação. 

Bonito já mostra sinais de recuperação. Dados do Observatório do Turismo da cidade indicam que ela está se aproximando do número de visitações nos atrativos turísticos de antes da pandemia. Do dia 01/07 a 04/07 de 2019, foram 4.113 visitas. Durante este mesmo período em 2021, foram 3.512. 

Mas o casal, Júlia e Felipe, reforça que essa é a hora de conhecer lugares novos!

“O Instagram, por exemplo, possibilitou que alguns lugares, que antes eram desconhecidos, hoje sejam super frequentados, como o Jalapão. Como esse lugar, existem muitos outros que ainda não foram descobertos. A gente passou por um local em Primavera do Leste, no Mato Grosso, que se chama Lagoa Azul. Acho que esse foi o lugar mais bonito que a gente já viu e a gente nem sabia que existia!”, finalizam. 

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