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Além dos problemas sanitários e econômicos causados pela pandemia, o estado de calamidade no Brasil foi propulsor de outra questão já alarmante antes mesmo da chegada do novo coronavírus no país: a violência contra a mulher, caracterizada pela lei Maria da Penha como ação ou omissão que causem morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico da mulher, bem como danos morais e patrimoniais.

O último levantamento do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), divulgado no início de março deste ano, revelou que, em 2020, 30% de todas as denúncias realizadas no Disque 100 e no Ligue 180 foram referentes às condições descritas na lei Maria da Penha. No ano passado, o total de denúncias deste gênero somou 105.821 casos.

Posterior a este levantamento, outro relatório do MMFDH havia constatado que em março de 2020, mês no qual foi decretada a pandemia, 10.153 denúncias de violência contra a mulher haviam sido registradas pelo governo federal – em comparação ao mesmo mês em 2019, o dado apresentou crescimento de 14,9%. No mês seguinte, o cenário foi ainda mais caótico, indicando um aumento das denúncias em 35,9%.

Segundo a ministra Damares Alves, em entrevista ao G1, a pandemia é um fator agravante da situação e, prevendo esse aumento, o governo ampliou os canais de atendimento para mulheres em situação de violência. Além das plataformas Ligue 180 e Disque 100, o ministério também oferece contatos por WhatsApp e por um aplicativo próprio chamado “Direitos Humanos Brasil”.

Para Conceição de Maria, superintendente geral do Instituto Maria da Penha, a pandemia agravou muito a situação da violência doméstica e familiar contra as mulheres. O primeiro fator, como ela explica, é o isolamento.

Agora, muitas mulheres estão em casa, na presença de seus agressores, 24 horas por dia. Há também o aumento da tensão e estresse provocados pela convivência maior dos familiares, muitas vezes também o abuso de álcool e drogas, as incertezas com a crise financeira. Todos esses são agravantes da violência doméstica”.

Ela explica que fatores como a crise sanitária e as restrições impostas pelo isolamento social são agravantes da situação, mas não a causa dela. “É importante que a gente entenda que esses fatores não transformam ninguém em agressor. A violência já existia e pode ter sido potencializada por essas questões”, comenta.

O fato das mulheres estarem em casa na presença de seus agressores e, em muitos locais, impedidas de sair de casa e acionar ajuda por conta das medidas restritivas contra a Covid-19, dificulta ainda mais o ato da denúncia.

“Muitas políticas públicas de atendimento à mulher em situação de violência podem ter mudado os horários de atendimento, estarem funcionando em períodos mais restritos ou, nos casos de cidades que estão com restrições de transporte público, há a dificuldade com o deslocamento até uma unidade responsável por formalizar a denúncia”, declara a superintendente.

INFORMAÇÃO É FUNDAMENTAL NO COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Conceição também alerta para a divulgação dos meios pelos quais a denúncia pode ser feita: “É muito importante, neste momento, a divulgação de canais alternativos de denúncia. A maioria dos estados brasileiros já implementaram o B.O eletrônico para a violência doméstica através das delegacias virtuais de cada estado. O sistema é bem intuitivo e geralmente possui uma aba específica para o B.O de violência doméstica”, explica.

Neste caso, o B.O é encaminhado para a Polícia Civil e para a Polícia Militar com prioridade no atendimento. Alguns estados foram além e disponibilizaram outros canais de atendimento como Whatsapp, telefone e formulários online para a solicitação de medida protetiva de urgência – o que é extremamente importante para prevenir casos de feminicídio.

LIGUE 180

O Ligue 180 é o maior canal de denúncias mantido pelo Governo Federal. A partir dele, é possível fazer denúncias anônimas e dar segmento a outros serviços, como informações e orientações sobre os direitos das mulheres e sobre a legislação vigente, acessando outros setores, quando necessário.

A Central funciona 24 horas, todos os dias da semana – inclusive finais de semana e feriados – e pode ser acionada de qualquer lugar do Brasil e de mais 16 países: Argentina, Bélgica, Espanha, EUA, França, Guiana Francesa, Holanda, Inglaterra, Itália, Luxemburgo, Noruega, Paraguai, Portugal, Suíça, Uruguai e Venezuela.

SORORIDADE E REDES DE APOIO NA PANDEMIA

“Neste momento de pandemia, é importante ficarmos atentos aos sinais, manter contato virtual com as nossas redes de amigas e praticar a sororidade. Se sabemos de alguma amiga ou conhecida que está em isolamento com o seu agressor, é possível combinar uma palavra-senha para casos de emergência”, alerta Conceição.

Segundo a diretora da Casa da Mulher Brasileira de Curitiba, Sandra Praddo, as informações sobre a violência contra a mulher divulgadas após o início da pandemia alertaram muitas mulheres que já estavam vivendo relacionamentos abusivos: “Elas tomaram consciência de que estavam sofrendo violência. Muitas mulheres não tinham esse conhecimento e só passaram a perceber esses relacionamentos abusivos após conviverem com seus parceiros no isolamento”.

A Casa da Mulher Brasileira é um Centro de Referência para Mulheres em Situação de Violência que presta atendimento humanizado e oferece apoio mesmo em meio a pandemia. Dentro desse espaço, as mulheres encontram o serviço de acolhimento e apoio psicossocial de assistentes sociais e psicólogas, a Delegacia da Mulher, a Defensoria Pública, o Juizado de Violência Doméstica e Familiar, o Ministério Público, a Patrulha Maria da Penha, programas voltados à autonomia econômica das mulheres e brinquedoteca.

“Desde março de 2020, estamos funcionando presencialmente com os serviços que comportam o processo de triagem, apoio técnico de profissionais que fazem a primeira orientação e uma escuta qualificada, sempre encaminhando a demanda da mulher para o que se fizer necessário e respeitando a vontade dela”, explica Sandra.

A diretora completa dizendo que a instituição é uma importante ferramenta no combate à violência contra a mulher pois, além de oferecer espaço e serviços que ajudem a romper o ciclo de violência, não o faz revitimizando as mulheres que a procuram.

Só em 2020, segundo Sandra, a Polícia Militar e a Delegacia da Mulher da Casa da Mulher Brasileira de Curitiba tiveram 12.123 atendimentos: “O que mais nos chamou atenção foi a primeira procura, ou seja, a das mulheres que não se davam conta de que estavam sofrendo algum tipo de violência e vieram buscar ajuda pela primeira vez”.

O CICLO DA VIOLÊNCIA

Apesar da violência doméstica ter várias faces e especificidades, a psicóloga norte-americana Lenore Walker identificou que as agressões cometidas em um contexto conjugal ocorrem dentro de um ciclo que é constantemente repetido.


No site do Instituto Maria da Penha, é possível ver o mapa completo desse ciclo.

CANAIS DE DENÚNCIA

O governo federal oferece os seguintes canais de denúncia:

  • Disque 100
  • Ligue 180
  • Mensagem pelo WhatsApp no número (61) 99656-5008
  • Telegram, no canal “Direitoshumanosbrasilbot”
  • Site da Ouvidoria do Ministério
  • Aplicativo “Direitos Humanos Brasil” (para iOS e Android)

O aplicativo, assim como os outros apps de troca de mensagens, permite o envio de fotos, vídeos e áudios. Também há um atendimento às mulheres surdas por meio de chamada de vídeo, em Libras (Língua Brasileira de Sinais).

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