A definição atual da Síndrome de Tourette é bastante precisa: se trata da presença duradoura de tiques motores e fônicos por mais de um ano, manifestados por volta dos cinco anos. No entanto, anteriormente, os diagnósticos de Tourette eram descritos como muito graves e dramáticos, e não é incomum que, até os dias de hoje, pessoas o associem e confundam com outras questões psiquiátricas, como o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).
É o que explica Arthur Kummer, gerente médico de Pesquisa Clínica no Grupo NC, que elucida algumas outras questões sobre a Síndrome de Tourette, ainda pouco conhecida pela população. Ele diz, por exemplo, que ela ainda não tem cura e que, assim como todos os demais transtornos do desenvolvimento, é mais comum em meninos. Além disso, ele chama atenção para o fato de que os tiques, que têm intensidade alterada pelo estado emocional da pessoa, não são “brincadeiras” ou “perturbações emocionais”, como muitos pensam.
TOURETTE NO MEIO DIGITAL: INFORMAÇÃO E INCLUSÃO
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Síndrome de Tourette atinge cerca de 0,1 a 1% da população mundial e o primeiro diagnóstico foi revelado há centenas de anos. De lá pra cá até que houve uma melhora em relação às informações, porém, a síndrome ainda é mal entendida, e os julgamentos e a falta de empatia provocam o isolamento das pessoas com essa deficiência. Foi o que aconteceu com Diego Barbosa, ou Dilera, de 35 anos, e, atualmente, um dos streamers mais conhecidos do país.
“Vinha me isolando da infância até a fase adulta. Isso acontecia mais em ambiente familiar ou em alguns lugares com muitas pessoas. Devido à síndrome, não queria incomodar e nem ser incomodado, então o melhor jeito era correr de tudo. Com o passar do tempo consegui aceitar e lidar com a situação, e fui mais tranquilo ao comparecer em lugares que não frequentava antes”, relata ele.
Dilera descobriu a Tourette já na fase adulta, aos 20 anos. Mesmo assim, aprendeu a realizar certas atividades e a controlar os impulsos por meio da Terapia Cognitiva Comportamental (TCC) que, segundo Arthur Kummer, consiste em técnicas específicas para o treinamento de reversão de hábitos e a estratégia de exposição e prevenção de resposta. “Apenas em casos mais extremos e avessos aos tratamentos psicoterápicos e medicamentosos que são feitas intervenções cirúrgicas, mas felizmente esses casos são muito raros”, afirma o especialista.
Antes de iniciar a carreira no mundo digital, Dilera tentou exercer outras profissões, mas acabou escolhendo a vida de streamer por sentir que, assim, podia ser ele mesmo. “Assim, posso estar em casa e mostrar para as pessoas a síndrome no meu dia a dia, posso jogar e fazer vlogs. Também não preciso me preocupar em ter que sair do meu ambiente por conta dos meus tics, já que quem assiste as lives, se não gostar, pode simplesmente fechar e pronto”, conta.
Em seu canal no Youtube, com mais de 700 mil inscritos, além de entreter os fãs com as lives de jogos, Dilera esclarece dúvidas sobre a Tourette e fala abertamente da ansiedade e síndrome do pânico, transtornos que também desenvolveu durante a infância e adolescência devido aos traumas de abuso sexual e implicações com drogas.
A construção de um mundo sem preconceitos, para ele, ainda é uma realidade pouco palpável, mas ele acredita que esse cenário pode mudar assim que o respeito às diferenças e às limitações de cada ser humano for colocado realmente em prática. “Para mim, a inclusão nada mais é que a aceitação de qualquer dificuldade que distingue as pessoas com algum problema diante de outras”, conclui ele.
HISTÓRIA E TRATAMENTOS
Conforme descrito na página do médico Drauzio Varella, “historicamente, se considera que o primeiro relato da doença tenha sido feito pelo médico francês Jean Itard, em 1825, ao descrever o quadro da Marquesa de Dampierre (que apresentava o quadro mais estereotipado, caracterizado pela emissão de palavras obscenas em público)”.
“O nome vem do neurologista Georges Gilles de la Tourette. A partir do caso da marquesa e de outros pacientes que analisou, ele sugeriu, em 1885, que tal quadro clínico constituía uma condição específica, diferente de distúrbios neuropsiquiátricos similares”, completa o médico.
Para distinguir o método adequado para tratar a síndrome, é essencial ter o acompanhamento de neurologistas, psicólogos e psiquiatras, pois os tiques físicos e sonoros variam de pessoa para pessoa. De acordo com a explicação de Simone Amorim, profissional em neurofisiologia clínica, neurologia infantil e especialista em aplicação de toxina botulínica e distúrbios do movimento, “nem sempre será necessário o uso de medicação, sendo a psicoterapia a primeira linha de tratamento aos pacientes. Ou seja, quando os tiques são leves e não impactam a qualidade de vida, funcionalidade e socialização, não há necessidade de tratamento farmacológico.”
“Do contrário, devemos oferecer aos pacientes medicamentos orais e toxina botulínica, sendo a primeira linha de escolha aos casos mais intensos, que ajudará a reduzir e cessar bastante a frequência dos tiques”, complementa.
TOURETTE NÃO É CONTAGIOSA, MAS A SOLIDARIEDADE SIM!
Certos empecilhos físicos são, de fato, um grande obstáculo a ser contornado pelas pessoas diagnosticadas com a Tourette ou outra deficiência, porém, o preconceito que a sociedade transmite deixa cicatrizes mais profundas.
“Situações constrangedoras aconteceram muitas vezes. Costumo dizer que uns dos maiores problemas não é a síndrome, mas as pessoas que, com a falta de conhecimento no assunto, acabam julgando ou até agindo sem pensar,” lembra Esther Stein, estudante capixaba, de 17 anos.
A jovem descobriu a Tourette aos 12 anos, e somente depois que iniciou o tratamento correto, melhorou sua qualidade de vida, bem-estar e o processo de auto aceitação.
“Para mim, se colocar no lugar do outro é fundamental, é entender que a nossa sociedade é formada por pessoas diferentes, que devemos incluir e não excluir. Já escutei diversas coisas cruéis, mas graças a diversos fatores tenho superado, e ainda quero ajudar quem passa pela mesma situação”, completa Esther.
A TOURETTE VIRALIZOU
No mercado de trabalho, a Síndrome de Tourette, que não afeta o aprendizado, não deveria ser um impedimento, desde que o ambiente esteja pensado e preparado para acolher todas as pessoas, como prevê a lei federal de cotas. Entretanto, muitas pessoas com essa deficiência acabam optando por trabalhos alternativos, nos quais possam ditar as próprias regras.
No Brasil, um caso que teve grande repercussão foi o do motorista de aplicativo Antônio Luiz Gomes da Silva, de 44 anos, que anexou um aviso atrás de seu assento que dizia: “Síndrome de Tourette: Sou casado, tenho um filho, trabalho desde os 13 anos e comecei a dirigir em 1997. Tenho experiência em caminhões, carros de passeio e bicicletas, além de realizar todos os exames de renovação da CNH.”
O aviso viralizou após um passageiro, com autorização de Antônio, ter postado uma foto no Linkedin, que teve mais de 65 mil curtidas e mais de 1.500 compartilhamentos. Em entrevista, o motorista disse sempre ter sido muito bem avaliado, até que teve o perfil bloqueado por 15 dias sem explicação da empresa.
Preocupado que a causa do bloqueio, até hoje não esclarecida pela empresa – que afirma que esse tipo de suspensão é confidencial – fossem os tiques da Tourette, Antônio resolveu fazer o cartaz, tornando as viagens mais tranquilas.
Fora do Brasil, um caso de proporções ainda maiores chamou a atenção da mídia para a síndrome: a cantora internacional Billie Eillish, de 20 anos, desabafou em entrevista cedida a David Lotterman, contando detalhes do diagnóstico inicial e de como lida com as situações corriqueiras.
“O mais comum é as pessoas rirem, pensam que faço isso de brincadeira, ou se espantam. Eu sempre fico muito ofendida com isso”, disse ela.
Foi em 2018 que Billie teve sua Tourette percebida, após um canal do Youtube ter exposto um vídeo com um compilado de seus tiques. Depois desse episódio desnecessário, a cantora publicou um relato em uma de suas redes sociais, explicando o caso.
Para a apresentadora Ellen Degeneres, a artista já havia comentado que convive com a síndrome a vida inteira, e que todos que a conhecem sabem. “Entretanto, eu nunca falei publicamente porque eu não queria que isso definisse quem eu era. Não queria que fosse do tipo: ‘artista com tourette, Billie Eillish'”, explicou.
SE INFORME SOBRE A SÍNDROME
O processo de auto aceitação e entendimento da Tourette são etapas a serem desbravadas não apenas pelas pessoas diagnosticadas, mas pela sociedade em geral. Felizmente, é possível encontrar diversos materiais de pesquisas, estudos e grupos de apoio com especialistas capacitados que oferecem amparo acerca da síndrome. Se informe sobre a Síndrome de Tourette e contribua para o desmantelar do preconceito sobre ela.
Parabéns muito boa a matéria .
Ah, Diego! Fico feliz que gostou. Você e todas as pessoas que contribuíram foram e são necessárias.