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“A carne mais barata do mercado é a carne negra”: João Pedro, 14 anos, morto por um tiro de fuzil em São Gonçalo, município pertencente à Região Metropolitana da cidade do Rio de Janeiro. Denilson Santana, 15 anos, assassinado enquanto jogava futebol em Salvador. Ágatha Félix, oito anos, atingida nas costas por um tiro na Zona Norte Rio. Davi Fiúza, 16 anos, soteropolitano e desparecido desde 2014. O que esses casos têm em comum? Assim como inúmeros outros, as vítimas eram negras e foram alvos de ações realizadas por agentes do Estado, representados, na maioria das vezes, pela Polícia Militar (PM).

De acordo com o Monitor da Violência, feito pelo G1 em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), no Brasil, em 2020, 78% dos mortos pelas polícias foram negros, considerando apenas os casos nos quais a raça é divulgada.

Um relatório intitulado “A Cor da Violência Policial: a bala não erra o alvo”, elaborado pela Rede de Observatórios da Violência, apresentou dados sobre mortes ocorridas durante operações policiais em cinco estados brasileiros: Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará e Pernambuco.

Segundo o levantamento, o RJ é o líder em número absoluto de mortes, mas quando se observa a proporção de negros assassinados nessas ações, é a Bahia que lidera o ranking, com 96,8% – apenas em operações da PM. Foram 650 casos entre janeiro e dezembro de 2019, com 474 vítimas negras – e o número pode ser ainda maior, considerando que em 161 situações a cor da vítima não foi informada. Brancos somam 15 ocorrências ou 3% do total.

Mesmo que a maior parte da população baiana seja não-branca, a pesquisa apontou que a diferença alarmante entre o número de mortos não é proporcional à ela e, portanto, não pode justificar a situação.

O QUE DIZ A SECRETARIA DA SEGURANÇA PÚBLICA

Questionada sobre os casos de violência policial, a Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) informou que pauta suas ações com base em investigações, inteligência, denúncias realizadas e mancha criminal, não na cor de pele ou situação econômica dos suspeitos.

“A polícia baiana é capacitada para abordar e deflagrar operações, após indícios de situações ilícitas”, divulgou a assessoria do órgão, em nota.

CERCEAMENTO DE VIDAS: POR QUE A POLÍCIA MATA MAIS NEGROS?


Foto: Oswaldo Corneti / Fotos Pública

São muitos os motivos que contribuem para que o cerceamento de vidas negras pela polícia seja tão constante no Brasil. Para Dudu Ribeiro, coordenador da Rede de Observatórios da Segurança na Bahia, “existem fatores históricos importantes que refletem diretamente nas ideias em voga no Brasil sobre crime, castigo, punição e penas”.

“Nós temos essas ideias semeadas e produzidas a partir dos quintais da casa grande. Isso reflete diretamente na formação do Estado brasileiro e na distribuição desigual de possibilidades de vidas. Isso preenche as instituições que lidam com a justiça e com a segurança pública no Brasil, incluídas em um projeto de limitação de possibilidades de cidadania e no limite de eliminação da população negra na sua própria ideia de nação brasileira”, aponta Ribeiro, que também é co-fundador da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas.

Ele afirma ainda que a raiz dessas questões está na própria concepção tanto de segurança pública e de justiça no Brasil, como de vida. “Porque parte fundamental do processo colonizador foi a desumanização das pessoas escravizadas. E isso é a base do entendimento desse projeto de nação brasileira sobre a população negra. Isso permeia tanto as instituições policiais como o sistema de justiça e a nossa própria ideia de segurança pública, de cidadania e de direito”.

O defensor público Vladimir Correia também acredita que elementos históricos, como a escravidão, estão relacionados a essa realidade. “A herança da escravidão relegou a população negra à marginalização, à falta de oportunidades e de condições econômicas e financeiras, assim como à falta de prestação de serviços públicos para essa população”.

Para ele, tudo isso fez com que se criassem bolsões de pobreza, onde, consequentemente, a violência é muito maior. “A violência está atrelada à pobreza e à desigualdade social”.  Outro aspecto apontado por Correia é o racismo estrutural, “que está entranhado em todas as instituições, e na polícia não é diferente, o que faz com que o policial pratique mais atos de violência contra negros”.

“NÃO TEM UM DIA QUE EU NÃO PENSE NELE”

Em 24 de outubro de 2014, o adolescente Davi Fiúza, na época com 16 anos, desapareceu após uma abordagem realizada por policiais do Pelotão de Emprego Tático Operacional (PETO) e Rondas Especiais (Rondesp), no bairro de São Cristóvão, em Salvador. Após quase sete anos, o caso segue sem respostas.

Na época, a família denunciou que os policiais haviam encapuzado o jovem com a própria roupa, amarrado seus pés e mãos e o colocado no porta-malas de um dos carros que não tinha plotagem. No momento da ação, o menino estava em frente à casa, onde conversava com uma vizinha.

O inquérito foi concluído pela Polícia Civil em agosto de 2018, com o indiciamento de 17 policiais militares que teriam participado da abordagem. Apesar do inquérito, o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) apresentou denúncia contra sete deles por sequestro e cárcere privado. Após a denúncia do MP-BA, o caso seguiu para a Justiça Militar.

Uma audiência de oitiva das testemunhas do caso foi marcada para o dia 17 de abril de 2020, mas, devido à pandemia, a data foi inicialmente alterada para julho, contudo, mais uma vez não aconteceu. “Depois disso, nós não tivemos nenhuma definição de data. Eu só não entendo por que as pessoas não estão sendo escutadas”, lamenta Rute Fiúza, mãe de Davi.

Ao journal48, ela contou que fica ansiosa e atenta porque compreende que o julgamento do caso na Justiça Militar pode ficar preso ao corporativismo. “[O desaparecimento] vai fazer sete anos agora em outubro, e é muito difícil essa situação. Depois de tanto tempo, o caso ainda está tramitando na Justiça militar, não teve um desfecho. Ficamos ansiosos e atentos, porque já temos ideia do desenrolar da história, porque quando o caso é remetido para a vara militar, então serão eles [os policiais] sendo julgados pelos seus pares, e nós sabemos do corporativismo que existe nessa área. Eu tenho os pés no chão. Eu sei que não vai acontecer nada. Quando o parecer for dado, o caso será reenviado para o Ministério Público”, diz.

Já a irmã de Davi, Camila Fiúza, espera que o caso seja solucionado, mas não alimenta esperanças de que ele possa voltar. “Não tem um dia que eu não pense nele. […] Eu sei que o meu irmão não vai voltar mais para a gente, porque do jeito que as coisas aconteceram, infelizmente, é impossível”.

Durante a entrevista, ela falou sobre a dor de perder um irmão e, mesmo após anos, seguir sem respostas. “A gente acaba sendo acometido por doenças e muita tristeza, ficando com pânico, depressão e ansiedade. É um processo muito doloroso. Eu sinto como se a gente estivesse precisando ressignificar a dor”, desabafa Camila, que necessitou de apoio psicológico para conseguir lidar com a situação.

Ela conta que começou a atuar com Direitos Humanos na Justiça Global, que é uma Organização não Governamental (ONG), o que, segundo ela, a tem fortalecido. “Porque é um momento em que eu posso lutar para que isso não aconteça com outras pessoas”.


Davi Fiuza tinha 16 anos quando desapareceu após abordagem. Foto: Arquivo pessoal

Tanto Rute quanto Camila acreditam que a morosidade do sistema de Justiça na investigação do caso é intencional. “Nós temos um judiciário que permite essas coisas. Mesmo quando vai a júri popular, é a caneta do Estado que assina a certeza da impunidade. Impunidade dessa máquina de moer gente que é o Estado. Um Estado racista e perverso na sua totalidade”, desabafa a mãe do jovem.

Para elas, as abordagens policiais, como a que foi feita em Davi, são racistas. “A gente está vivendo em meio a uma guerra do Estado contra o povo pobre, preto e favelado, e isso não pode mais acontecer em lugar nenhum. […] Meu irmão, por ser um menino negro, foi levado do portão de casa e o Estado não dá a mínima satisfação, nunca procurou a mim nem a minha família para oferecer ao menos apoio psicológico. Eles tratam nossos corpos como se a gente não fosse nada. Isso não é apenas doloroso, é revoltante!”, protesta Camila.

“É uma violência estrutural: a falta de acesso a políticas públicas, falta de acesso a informações e ao judiciário. Tudo isso é um racismo que está bem edificado nesse país”, completa Rute.

DESAPARECIMENTO FORÇADO

A Anistia Internacional – que acompanha o desaparecimento de Davi Fiúza desde outubro de 2014, quando lançou uma Ação Urgente de mobilização internacional solicitando a investigação imediata – e a ONU pediram, em agosto de 2019, esclarecimentos sobre a investigação. Quando o sumiço aconteceu, Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil, afirmou que o caso se enquadrava como um desaparecimento forçado.

“A pessoa não saiu de casa e foi embora. Ela foi retirada por um agente do Estado. Ou seja, o Estado brasileiro tem responsabilidade, não explicou, desapareceu e não prestou contas do que aconteceu com essa pessoa”, explicou Jurema, em entrevista à TV Bahia.

O QUE PENSA O OUTRO LADO

“Somos descartáveis socialmente e quando uma ideia assim é propagada como ‘normal’ vai refletir em diversos segmentos”, diz a major Denice Santiago, que atualmente é superintendente de Prevenção à Violência da Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA).

Mulher, negra, policial militar, mãe, mestre em psicologia e feminista, Denice destaca que o racismo estrutural está “intrinsicamente ligado a todas as práticas de nossa sociedade, e não só às policias, mas sobremaneira à forma como esta sociedade enxerga as pessoas negras”.

Para a major, que foi criadora da Ronda Maria da Penha e candidata à prefeitura de Salvador nas eleições municipais de 2020 – e obteve 228.942 votos na disputa contra o atual gestor –, a morte violenta de pessoas negras acontece em todo o mundo.

“No Brasil não é diferente. Não é porque a maioria da população é negra que isso acontece, mas sim porque há, no mundo e no Brasil, um racismo perverso e que está em toda sociedade. Esse racismo pauta ações em todos os seguimentos e, de forma mais complexa, nas forças policiais”, ressalta.

Ela avalia que os dados sobre a violência policial contra negros refletem esse racismo, a fragilidade na pauta de prevenção e a consequente defesa dos direitos humanos, no seu entendimento mais amplo.

Formada em psicologia, com mestrado que investigou a discriminação racial na atividade da Polícia Militar da Bahia, Denice falou sobre a operação do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, na qual 28 pessoas morreram.

“A pauta que ouvimos foi que a maioria das vítimas tinha envolvimento com a criminalidade, como se este fato retirasse delas a condição humana e social. Ali estavam pessoas negras. E, caso estivessem envolvidas com atos delituosos, mereceriam morrem? Quando escuto dados assim, parece-me que por ter antecedentes criminais a morte é minimizada. Há muito que se modificar nesta relação”, diz ela.

A chave para essa modificação, visto que a polícia também é formada em maioria por negros, está no acesso a espaços de poder, explica Denice. “Mais negros no poder significa mais pessoas que sentem na pele a complexidade do que é ser negro neste país, podendo escrever e propor políticas públicas que minimizem o racismo”.

A major completa dizendo que é necessário ressignificar culturalmente a prática da PM e, também, trabalhar nos processos de formação com monitoramento da atuação dos instrutores e de como estes constroem a identidade da corporação. “Fazer direitos humanos com, para e através das polícias”.

PAPEL DO ESTADO, NECROPOLÍTICA E MUDANÇAS NECESSÁRIAS


Foto: Fernando Frazão / Agencia Brasil

O professor Dalmo de Abreu Dallari conceitua o Estado como “a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território”. No entanto, esse bem comum – que pode ser entendido como um conjunto das condições necessárias para que a pessoa humana exerça sua dignidade – não faz parte da realidade da maioria das pessoas, principalmente quando se diz respeito à população negra, que se tornou um alvo constante de agentes que reforçam a banalização da violência.

Todo esse debate chama a atenção, principalmente, para a necropolítica – termo cunhado pelo filósofo e teórico político camaronês Achille Mbembe, e que significa o uso do poder de Estado para determinar como as pessoas devem viver e morrer.

Dudu Ribeiro diz que para mudar esse cenário é “fundamental que haja um processo pleno, dedicado e exaustivo de reconstituição da memória histórica dos processos não superados na sociedade brasileira e a revisão drástica das principais instituições que lidam com as vidas das pessoas no Brasil”.

O historiador explica ainda que o poder público precisa pensar a sua própria responsabilidade na “distribuição desigual de vida e de morte no Brasil e atuar para a superação desse quadro desumanizado para permitir a plena cidadania à população brasileira como um todo”.

Por fim, ele afirma que é preciso uma mudança radical na percepção do que é segurança pública e uma mudança profunda do modelo de justiça no Brasil, “inclusive com a revisão da participação dentro desse sistema de justiça, que é hegemonicamente branco e elitista”.

“Fazer uma justiça que de fato se importe com a realidade da maioria da população brasileira. E dar sentido à ideia de prioridade absoluta de proteção da vida”, completa.

ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

Como instituição responsável por promover e proteger os direitos humanos, a atuação da Defensoria Pública da União (DPU), de acordo com o defensor Vladimir, pode se dar mais diretamente no processo de fiscalização desses atos das autoridades policiais e na cobrança de “responsabilidade e de prevenção nessa atuação para evitar a repercussão do comportamento racista, de um racismo estrutural e de um racismo mais direto também”.

Além disso, em conformidade com a DPU, é preciso articular, juntamente com as autoridades responsáveis, cursos de capacitação dos profissionais e educação em direito. “Ademais, tentar reduzir esse número alarmante do excesso de pessoas negras que vem sendo mortas por policiais”, conclui.

FALTA DE TRANSPARÊNCIA DIFICULTA CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Os estados brasileiros não sabem ou não informam a raça de mais de 1/3 das pessoas mortas pela polícia em 2020, aponta o Monitor da Violência. O levantamento mostra que ao menos 11 unidades da federação (Alagoas, Amazonas, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba e Rondônia) não passam nenhum tipo de informação sobre a raça/cor da pele das vítimas das duas corporações (polícias Militar e Civil). E mesmo entre os estados que coletam e disponibilizam os dados, há vários casos de “raça não informada”.

Além da não divulgação das informações, há casos em que “albino” foi considerado uma raça, por exemplo, sendo que o albinismo é uma doença, e não uma categoria racial. Em conformidade com a classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as opções são as seguintes: branca, preta, parda, indígena ou amarela. Os pardos e pretos compõem os negros.

Essa falta de transparência nos dados afeta diretamente na construção de políticas públicas para a população não-branca. “Nós temos que ter dados atualizados para entendermos melhor o que está acontecendo nessas abordagens, nessas mortes causadas por policiais, e, identificar que realmente estamos diante de um racismo estrutural e institucionalizado. Nós temos que combater isso”, enfatiza o defensor público Vladimir.

Ele diz que sem dados não há nem como iniciar uma construção de política pública nesse sentido. “Nós vimos recentemente que não há orçamento necessário para o IBGE fazer o Censo desse ano, e, consequentemente, nós vamos ter um prejuízo muito grande no âmbito da implementação e construção de políticas públicas, porque entender quem é a população é indispensável para isso. E, nesse sentindo, não poderia ser diferente em relação às vítimas da violência policial”, reforça.

REDES DE APOIO


13 de maio de luta. Foto: Reprodução / Facebook / Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio

Ao longo dos anos, e em meio aos números aterradores de violações sofridas pela comunidade negra, foram criadas redes de apoio às quais as pessoas podem recorrer para denunciar e pedir apoio jurídico e psicológico:

JUSTIÇA GLOBAL

Fundada em 1999, a Justiça Global é uma organização não governamental que trabalha com a proteção e promoção dos direitos humanos e o fortalecimento da sociedade civil e da democracia.

A ONG envia informes de casos de violações de direitos humanos para a Organização das Nações Unidas (ONU), Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Sistema Interamericano, a exemplo da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Quando a comissão recebe esses apelos, envia notificação ao Estado brasileiro exigindo respostas ou agilidade em investigações.

A Justiça Global está organizada em quatro programas temáticos e uma área administrativa, formando uma equipe multidisciplinar, que realiza suas atividades articulando estratégias de pesquisa e documentação, litigância, advocacia, comunicação e formação.

“Geralmente, incidimos junto a movimentos. Mas a gente pode, sim, receber a pessoa porque orientamos o que ela deve fazer, se vai ter um movimento junto a ela ou se a gente vai entrar independentemente de movimento”, informa Camila Fiuza, que trabalha na Justiça Global.

Dependendo da violação que aconteceu, será verificado se existe uma queixa, um processo judicial, qual foi a reação do Estado e se houve negligência. Com esse aporte em mãos, a ONG o envia às autoridades, informando que houve uma violação grave e explica a qual crime se refere.

Um dos casos recentes que teve a atuação da Justiça Global foi a chacina do Jacarezinho. A ONG mandou um informe para ONU, OEA e para a Corte Interamericana de Direitos Humanos no mesmo dia do acontecimento.

“Geralmente, a pessoa ou familiar entra em contato ou vamos atrás – às vezes ficamos sabendo de um caso e a gente procura as famílias. Têm casos que não conseguimos achar a família, aí procuramos algum movimento no lugar que fica mais próximo”, explica Camila.

Para ter um caso analisado pela ONG, é possível fazer a solicitação pelo seguinte e-mail: contato@global.org.br .

REDE DE PROTEÇÃO E RESISNTÊNCIA CONTRA O GENOCÍDIO

Movimento que atua em bairros pobres da região metropolitana de São Paulo, a Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio foi criada em 2017 e oferece apoio jurídico e psicológico, além de pressionar o poder público a investigar mortes por agentes do Estado e a criar políticas de controle externo das polícias de SP. A iniciativa tem como objetivo combater a impunidade da violência de Estado, dar visibilidade aos casos e prestar apoio às vítimas.

Eles continuam atuando mesmo durante a pandemia. A Rede abriu um meio virtual anônimo de escuta, acolhimento e denúncia. O canal está aberto para receber fotos, documentos e relatos de violações de direitos humanos no estado de São Paulo. Para ter acesso ao formulário e realizar a denúncia clique aqui.

O formulário está disponível para denunciar casos de violência de Estado, tais como: abuso, tortura, abordagem violenta, ameaça, prisão forjada e execução. A Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio pode ser encontrada também no Facebook. Outro canal disponível é o e-mail: contato@redecontraogenocidio.com.

MÃES DE MAIO

Há 15 anos, entre os dias 12 e 21 de maio de 2006, policiais e grupos de extermínio paramilitares mataram 425 pessoas e foram responsáveis pelo desaparecimento de outras quatro. Os ataques continuaram, após alguns dias, matando 80 civis. As mortes foram uma vingança contra os ataques da facção criminosa Primeiro Comando Capital (PCC), que mataram 59 agentes públicos, entre policiais, guardas civis e policiais penais. A chacina daquele ano ficou conhecida como Crimes de Maio.

O número de vítimas, que chegou a ser maior do que as 434 pessoas mortas e desaparecidas deixadas pela ditadura militar ao longo de 21 anos, e o desinteresse da Justiça em punir os responsáveis deu origem ao Mães de Maio, movimento fundado por Débora Maria da Silva – que teve o filho assassinado durante a ação –, e formado, principalmente, por familiares das vítimas do massacre.

Mais do que justiça para os próprios filhos, as Mães construíram, ao longo dos anos de atuação e luta, um movimento social de combate aos crimes do Estado.

“Desde então, nós saímos para as ruas e ocupamos esses espaços militarizados para poder dizer que nós precisávamos de respostas. Dentro desse período de 15 anos, o que nós vimos foram as abordagens truculentas da polícia com qualquer cidadão, mas dentro das favelas é muito mais truculento, é desrespeitoso. Eles não reconhecem essa população como seres humanos”, conta Débora ao journal48.

“[…] Exigimos o fim dessa polícia que mata, extermina e força desaparecimentos. […] Eles [policiais] sabem que essas abordagens são incorretas. […] A gente vê as abordagens policiais como uma das mais violentas que pode existir”, afirma, “esse genocídio tem cor, classe e sexo. Na nossa visão, há um projeto para embranquecer o Brasil, extinguindo os negros”, continua.

Para quem deseja recorrer ao Mães de Maio, Débora diz: “As pessoas podem procurar o movimento para receber apoio, que oferecemos como um levante. O movimento vem de uma luta de base; de mulheres pobres e moradoras de favela”. A iniciativa não recebe nenhum tipo de financiamento do governo e as mães trabalham com recursos próprios da venda de materiais, como camisetas, moletons, livros e bonés.

 “O movimento está com as portas abertas para dizer que, juntas, somos mais fortes! Nós iremos, como mães, parir o novo Brasil. Não queremos ninguém na nossa frente, queremos que as pessoas venham e caminhe ao nosso lado. Nós já deixamos muitas pessoas seguirem em nossa frente e o que a gente viu ao longo desses anos foi retrocesso”. Ela finaliza: “Enquanto não houver justiça não haverá democracia nesse país”.

O Mães de Maio pode ser encontrado no Instagram.

FOI VÍTIMA DE VIOLÊNCIA POLICIAL? SAIBA AONDE DENUNCIAR

DEFENSORIA PÚBLICA

Dá assistência jurídica gratuita às pessoas carentes. Possui núcleos especiais para atendimento aos consumidores, pessoas idosas, mulheres vítimas de violência, proteção a crianças e adolescentes, pessoas portadoras de necessidades especiais, dentre outros.

DISQUE 100

Canal de comunicação que possibilita conhecer e avaliar a dimensão da violência contra os direitos humanos e o sistema de proteção, bem como orientar a elaboração de políticas públicas.

OUVIDORIA DE POLÍCIA

Recebe denúncias contra policiais militares e civis que, eventualmente, tenham cometido atos arbitrários ou ilegais; faz a apuração das queixas. A denúncia pode ser feita anonimamente, por meio de carta, e-mail ou telefone.

Em São Paulo, por exemplo, a denúncia pode ser feita até online.

CORREGEDORIA DA POLÍCIA CIVIL E DA POLÍCIA MILITAR

Criado para apurar desvio de conduta policial, o órgão pode instaurar inquérito policial quando o crime é cometido por agentes de segurança e, neste caso, encaminhado à justiça comum.

MINISTÉRIO PÚBLICO – MP

Tem como função processar infratores e fiscalizar ações de órgãos públicos envolvidos em investigação criminal, como polícia e órgãos de perícia.

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