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Em março deste ano, oficializamos dois anos de luta contra a Covid-19. Enquanto o Brasil segue monitorando o número de contagiados e a esperança ameaça bater à porta com o avanço da vacinação, a saúde pública segue lutando contra outras epidemias que parecem ter se tornado invisíveis e até menos letais aos olhos da população. 

Uma delas, a febre amarela, infecta cerca de 200 mil pessoas e mata 30 mil delas a cada ano. É mais do que ataques terroristas e acidentes de avião juntos, segundo dados divulgados pela BBC News em março de 2021. Causada por um vírus transmitido entre humanos e primatas por meio do mosquito Aedes Aegypti, seus sintomas incluem febre intensa, dores de cabeça e, em alguns pacientes, icterícia (coloração amarelada da pele que dá nome à doença). Os casos graves podem causar hemorragia interna e insuficiência hepática.

O Rio Grande do Sul, por exemplo, não registrava a presença do vírus causador da febre amarela desde 2009, até que voltou a ser identificado como causador da morte de primatas em 2021. Entre julho de 2020 e agosto de 2021, o Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs) recebeu a notificação de 368 mortes de animais, dos quais 104 tiveram a confirmação para a febre amarela. Em Belo Horizonte, capital mineira, a doença também se tornou uma ameaça e 17 parques da cidade passaram a exigir o cartão de vacinação contra a febre amarela. 

Segundo a BBC News, aproximadamente 15% das pessoas contaminadas pela febre amarela vão morrer da doença se não forem vacinadas. É uma taxa de mortalidade muito mais alta do que a da Covid-19. Nos últimos anos, o Brasil registrou mais casos de febre amarela do que qualquer outro país.

Em paralelo, casos prováveis de chikungunya cresceram por todo o território nacional. Em 2021, foram 93.403 pessoas contaminadas, um número que representa um aumento de 31,3% sobre o mesmo período de 2019. Os dados estão no boletim epidemiológico do Ministério da Saúde sobre os casos de arboviroses urbanas transmitidas pelo Aedes Aegypti, divulgado em dezembro de 2021 e disponibilizado no site da pasta.

Além da febre amarela e da chikungunya, uma terceira doença transmitida pelo mesmo mosquito, a dengue, também assola o Brasil. Dalton Fonseca Junior, assessor técnico do Centro de Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo, em entrevista para a Rádio Eldorado, dada no dia 07 de fevereiro e compartilhada pelo site Uol Notícias, afirmou que, para ele, “a situação ganha maior complexidade no momento em que a variante Ômicron continua se disseminando, o que naturalmente gerará uma confusão de diagnóstico”.

Foi o que aconteceu com a cientista social Natália Andrade, que contraiu dengue no início do ano e teve dificuldades em receber o diagnóstico, pois toda a atenção, dela e dos médicos, estava voltada para a identificação do caso de Covid-19. “Além da dificuldade com o diagnóstico, as consequências da doença impactam muito na rotina. Tive fadiga crônica e, por mais de um mês, não consegui trabalhar normalmente. Contei com a compreensão dos colegas”, afirma.

O estado onde Natália mora, Minas Gerais, registrou em fevereiro deste ano, aumento de 66% dos casos de dengue em apenas uma semana, e uma morte foi confirmada. No mesmo mês, o governo do estado de São Paulo informou que monitora com preocupação o aumento dos casos da doença, assim como da febre amarela e da chikungunya. Antes disso, em janeiro, a Secretaria de Saúde do governo do Rio de Janeiro alertou sobre a possibilidade de aumento dos casos das três epidemias no estado em função do período quente do verão e do aumento das chuvas.

PARA ONDE ESTÁ INDO NOSSA COBERTURA VACINAL?

Uma análise inédita divulgada pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps), com base em dados do Ministério da Saúde atualizados até abril de 2021, constatou que, em 2020, o Brasil não atingiu nenhuma das metas de cobertura das vacinas infantis disponíveis pelo PNI (Programa Nacional de Imunização). 

Apesar de gratuita, segura e eficaz, a imunização ficou em apenas 75% do público esperado, em 2021, sendo que o ideal são taxas sempre acima de 90% de cobertura da população em geral. Isso acentuou uma queda que vinha desde 2015 e que abre portas para que doenças já erradicadas do país voltem em meio ao cenário pandêmico da Covid-19 e deixem a população ainda mais vulnerável.

É o caso do Sarampo, erradicado no Brasil em 2016 com emissão de certificado pela Organização Mundial de Saúde, e que voltou três anos depois, em 2019, quando o país perdeu a certificação. Foram 20.901 casos identificados no ano e mais 8.448 no ano seguinte, com surtos em 21 estados brasileiros, sendo o Pará o responsável por 60% dos casos. 

A queda da cobertura da poliomielite também chamou a atenção. Nos últimos seis anos, a cobertura da vacina caiu de patamares acima de 95% para 76%, em 2020, para o público em todo território nacional. Nas regiões Norte e Nordeste, essas coberturas foram ainda menores: em 65% e 72%, respectivamente. “Temos outras doenças eliminadas no país que podem voltar pela queda de cobertura, como a rubéola materna, a rubéola congênita, o tétano, a poliomielite. E temos várias doenças controladas pela imunização como a coqueluche, a meningite bacteriana, a poliomielite”, afirmou Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), em entrevista para o site Viva Bem, da Uol.

Em 2018, o Ministério da Saúde anunciou uma campanha para vacinar quase 80 milhões dos 210 milhões de brasileiros contra febre amarela. Em alguns municípios, até 95% dos moradores foram vacinados, mas nas maiores cidades a taxa não chegou a 50%.

Chikungunya e Dengue também têm entrado na pauta do calendário nacional de campanhas. Em matéria para a CNN este ano, o Ministério informou, por meio de nota, que, mesmo em tempos de pandemia, acompanha o andamento da cobertura vacinal e recomenda aos estados, municípios e DF que façam a busca ativa para a atualização da Caderneta de Vacinação da Criança e do Adolescente (menores de 15 anos), a fim de ampliar a cobertura vacinal no país.

cobertura vacinal prevista pelo Programa Nacional de Imunizações cai pelo sexto ano consecutivo, enquanto epidemias como dengue, febre amarela e chigungunya avançam no país.

POR QUE A COBERTURA VACINAL VEM CAINDO TANTO NOS ÚLTIMOS ANOS?

No ano passado, o índice de vacinação brasileiro regrediu a taxas de cobertura similares às dos anos 1980. A pandemia é apenas um dos fatores que explicam o fenômeno, já que a cobertura vacinal cai há, pelo menos, seis anos.

“Sem dúvida, a desinformação é a principal causa da queda da cobertura vacinal. As pessoas – incluindo, aí, vários profissionais de saúde – desconhecem os calendários vacinais para adolescentes, gestantes, adultos, idosos e imunodeprimidos. Some-se a isso o desserviço prestado pelas fake news e eis o resultado desastroso que estamos vendo”.

A análise é da infectologista e diretora do Comitê de Imunização da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), Rosana Richtmann, também em entrevista para a Uol.

Outro motivo, apontado pela médica e diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Mônica Levi, na mesma entrevista para a CNN, é o fato de os pais acharem que as doenças estão erradicadas e deixam de levar os filhos aos postos de vacinação. Segundo ela, o sucesso da própria vacinação tornou-se uma questão.

“Quando as pessoas não escutam mais sobre casos de determinada doença, elas param de se importar. Hoje em dia, os pais não conhecem doenças como a poliomielite, que é grave e pode matar. Estamos percebendo um retrocesso na proteção coletiva e no risco de doenças”, afirma. Para Levi, a diminuição da cobertura vacinal ao longo dos anos terá um impacto no aumento dessas doenças infantis no futuro.

Apesar de não dar para colocar todo o problema da queda de vacinação na conta da pandemia, ela trouxe uma situação relativamente nova: o avanço dos grupos antivacina. Apesar de já existirem há décadas com mais força nos Estados Unidos e alguns países da Europa, no Brasil, a atuação dos grupos era, até então, comedida. “O movimento antivacina tem um perfil ativista, de convencimento, e se coloca totalmente contra a imunização, frequentemente apoiando-se em argumentos pseudocientíficos”, explica Ana Paula Sato, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP, em entrevista para o jornal da Unesp.

Em 2019, a organização Avaaz, em parceria com a SBIm, já alertava para o impacto que as fakes news divulgadas por grupos anti vacina têm na cobertura vacinal. O estudo As Fake News Estão Nos Deixando Doentes apontou que:

“A pouca circulação de informação confiável sobre vacinas está sendo parcialmente preenchida por conteúdo antivacinação e desinformação postados e compartilhados nas redes sociais e aplicativos de mensagens – e algumas vezes são criados por pessoas que vendem ‘curas alternativas’ junto com o conteúdo antivacinação”.

A função da comunicação, no que diz respeito à campanhas de vacinação, é um componente estratégico. Alguns desafios se impõem ao poder público: é preciso ampliar o alcance das campanhas e potencializar a boa utilização das redes sociais para combater as fake news.

Por outro lado, é responsabilidade da mídia, especialmente do jornalismo, manter o assunto da pauta em dia, fortalecendo o acesso à informação de qualidade, confiável e democrática. A cada um de nós, cidadãos e cidadãs, cabe a responsabilidade de ter uma consciência coletiva, compreender que a sua atitude pode impactar na vida de outra pessoa e da importância em buscar fontes de informação seguras para pautar suas decisões.

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