Além do medo da contaminação e do risco de morte, a pandemia do novo coronavírus trouxe consigo um quadro de alta inflação, desemprego e, consequentemente, dados alarmantes sobre o aumento no número de pessoas que estão passando fome em todo o mundo.
No Brasil, o aumento dos preços dos produtos nos supermercados, feiras livres e açougues virou quase que uma rotina diária. Fator esse que vem contribuindo para o aumento da fome no país. Mas qual seria o real motivo dessa alta desenfreada dos produtos nas gôndolas dos supermercados?
Segundo o DIEESE – Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos, o câmbio favorável para a exportação foi uma das principais causas para o aumento dos preços dos alimentos.
A última pesquisa publicada pelo órgão, em julho de 2021, indicou que os produtos que tiveram a maior alta desde o início da pandemia, e ainda se mantém nesse patamar de valores exorbitantes, são: carne vermelha, óleo de soja, açúcar, leite e manteiga.
“Atualmente, a carne bovina equivale a um terço do custo da cesta básica. Com o aumento das exportações para a China, houve uma menor oferta de animais para o abate do consumo interno. Com isso, não havendo produto suficiente, impera a lei da oferta e procura. Pouco produto nos açougues para uma gama muito alta de consumidores gera esse aumento que estamos vendo atualmente”, explica José Silvestre Prado de Oliveira, diretor adjunto do DIEESE.
Ainda de acordo com Oliveira, no Brasil, se o valor da carne bovina aumenta, o brasileiro recorre ao frango. Mas, atualmente, estamos vendo um quadro muito pior. “A carne branca também está sendo destinada à exportação e, com isso, aquele brasileiro que vive de uma renda mínima ou de auxílio emergencial, atualmente está consumindo pé de frango, já que o filé e o peito de frango também sofreram reajustes no preço para o consumidor final”, salienta o diretor.
Outro produto que mantém o preço em alta é o açúcar. Nos anos de 2020 e 2021, o produto teve um melhor desempenho nas exportações, contrastando com uma menor produtividade dos canaviais devido à ordem climática. Com isso, diminuiu a oferta interna, o que proporcionou o aumento do quilo de açúcar no Brasil.
Já o leite e o seu derivado, a manteiga, tiveram uma alta que foi registrada no mês de julho em 16 capitais brasileiras, entre as regiões sul, sudeste, centro-oeste e algumas do nordeste. A explicação é devido à baixa oferta do produto, associada ao alto custo de produção devido ao aumento dos insumos e rações.
“Esse aumento surreal que estamos vendo nas gôndolas dos supermercados iniciou-se no mês de agosto do ano passado, quando a inflação já dava sinais claros de aumento. E um desses sinais, foi o aumento do preço do quilo do arroz. Em resumo, o que provocou a alta do arroz e de outros produtos alimentícios foi o câmbio supervalorizado, mais favorável para exportação, combinado com os baixíssimos estoques reguladores do Governo Federal, que são grandes quantidades mantidas como uma forma de atuação no mercado de alimentos e podem ser acionados quando ocorre uma alta muito grande nos preços. Essa combinação fez com que os preços explodissem”, comenta Oliveira.
Também de acordo com o DIEESE, a energia elétrica e o combustível são outros grandes influenciadores para o aumento dos produtos no Brasil. “Atualmente, devido à seca nos reservatórios, o Governo Federal teve que usar as termelétricas e os custo dessa geração de energia, é mais caro. Com isso, a produção monetária de qualquer produto fica mais elevada, já que o fabricante vai pagar mais caro pela energia e isso é refletido em todos os produtos para o consumidor final. Além disso, a política da Petrobras se alinha com o preço do petróleo do mercado internacional. Então, se o valor do barril do petróleo sobe lá fora, a Petrobras reajusta o preço no mercado interno. E isso reflete uma alta nos preços dos derivados, como o gás de cozinha, gasolina e diesel. Vale lembrar que o diesel, tem efeito irradiador em diversos pontos da economia e isso chega no varejo já que 60% do transporte da nossa produção é feito por via rodoviária”, explica o diretor.
Mesmo com toda essa atmosfera propícia para um aumento desenfreado, o DIEESE constatou que o único produto da cesta básica que poderia ter tido uma queda nos preços seria o óleo de soja, já que houve um recuo no preço da matéria prima. Mas isso não aconteceu.
“Em julho, registramos também, um aumento no óleo de soja em catorze capitais. Em tese, o preço do derivado da soja deveria cair, mas não caiu. Continuou a política de alta estabelecida por empresas e estabelecimentos e, assim, a queda no preço não foi refletida no mercado final”, salienta Oliveira.
IMPACTOS DOS PREÇOS NA POPULAÇÃO
Os efeitos dessa política de preços estabelecidos pelo mercado já estão sendo refletidos na população mundial. No relatório “O Estado da Insegurança Alimentar e Nutrição no Mundo”, publicado em 12 de julho deste ano, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura apontou que a pandemia provocou recessões brutais e prejudicou o acesso aos alimentos.
Somente no Brasil, quase a metade das pessoas ouvidas disseram que os hábitos alimentares mudaram durante a pandemia. Esse número sobe para 58% entre famílias com crianças e adolescentes abaixo dos 17 anos.
O estudo também mostra a desigualdade na qualidade das dietas no Brasil. As pessoas mais pobres, as que perderam os empregos e os moradores do Nordeste, relataram um aumento no consumo de alimentos processados em lugar dos produtos frescos.
“O auxílio emergencial de 2021, é metade do valor pago em 2020 e as famílias de baixa renda são as mais prejudicadas. Essas famílias têm uma situação de renda precária devido ao desemprego. E com a pandemia, as pessoas perderam também os empregos informais, devido às regras de segurança para conter a doença. Infelizmente, essa é a realidade das famílias de baixa renda ou de quem vive de auxílio emergencial aqui no Brasil. Hoje, encontramos famílias se alimentando de arroz tipo 4, conhecido como “arroz quebrado” e de feijão bandinha (também conhecido como feijão quebrado). Muitos ficam na fila de açougues para pegar os ossos para fazer caldo. A situação está muito delicada, para não dizer caótica, para essas famílias”, relata o diretor adjunto do DIEESE.
COMO MANTER O CARDÁPIO IDEAL EM ÉPOCA DE CRISE FINANCEIRA
Segundo Ana Paula dos Santos Carareto, nutricionista pós-graduada pela Famerp, o cardápio ideal para qualquer ser humano é uma alimentação balanceada e que contenha todos os macronutrientes (carboidratos, proteínas e gorduras boas) e micronutrientes (vitaminas e minerais).
“Como estamos em um período de inflação alta, a maior parte da população teve que adequar o cardápio da família à realidade que cabe no bolso de cada um. A melhor dica, é fazer essa adequação utilizando formas mais acessíveis de consumo como: pão francês, ovos, verduras e frutas com preços mais baixos. Geralmente, a banana tem um preço melhor que as demais frutas. Outra dica, é consumir produtos in natura da época”, explica Carareto.
Ainda de acordo com ela, o segredo para se adequar a uma dieta mais barata e sem perder o valor nutricional, é fazer as substituições corretamente.
“Arroz e o feijão é o combinado tradicional e nutritivo dos brasileiros. Mas em época de crise, podemos substituí-los. Em vez do arroz, podemos consumir a mandioca, a tapioca, a farinha de milho, até mesmo o milho, a batata doce, batata inglesa ou o macarrão. Já o feijão, podemos substituir por lentilha, vagem, grão de bico ou pela soja. Já as carnes, podemos substituir pelo frango e se este estiver muito caro, optamos pelos ovos. Essas substituições são ricas em nutrientes e podemos alternar os dias de consumo.”
Na hora de montar as refeições, a sugestão fundamental, principalmente para quem depende do auxílio emergencial, é manter os nutrientes presentes. Fontes mais baratas de carboidrato, como diz a nutricionista, são o macarrão e a mandioca; de proteína, os ovos; e as vitaminas, minerais e fibras podem ser encontradas no alface, tomate, couve, repolho, cenoura, chuchu, berinjela e beterraba.
O café da manhã, segundo ela, é essencial. “Pode-se optar pelo pão francês com um copo de leite batido com banana, ou o pão francês com ovos e o leite. Nesse período, a dica para todos é usar a criatividade e seguir essa linha nutricional para que o corpo receba os nutrientes necessários” finaliza a especialista.
INICIATIVAS SOLIDÁRIAS SÃO A ESPERANÇA DE MUITAS FAMÍLIAS
Segundo a Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR) – que mede a quantidade de doações motivadas pela Covid-19 – em março deste ano, as doações atingiram os maiores volumes desde agosto do ano passado, o que dá esperança a muitas famílias. No entanto, em alguns centros de apoio solidário, o número de pessoas em situação de vulnerabilidade que carecem dos serviços de doação praticamente duplicou.
Foi o caso do projeto Casa da Sopa Therezinha Rocha Slonschi, localizado na cidade de Buritama, interior de São Paulo, que entrega marmitas a aposentados, pessoas de baixa renda, dependentes químicos e moradores de rua.
“Devido à crise financeira provocada pela Covid-19 o nosso atendimento praticamente dobrou, principalmente entre os aposentados. Em média, atendemos de 80 a 100 pessoas diariamente, dependendo da população flutuante. Alguns levam almoço e janta”, conta Luciana Seraphim, coordenadora do projeto.
A entrega diária de marmitas só é possível graças às doações feitas pela população e por comerciantes da cidade. Dentre os itens que o projeto recebe estão alimentos em geral, marmitas descartáveis, temperos e utensílios de cozinha.
“Além da ajuda de toda a população, temos um grupo de membros da sociedade que faz doações de valor fixo todo mês. Com esse dinheiro, já conseguimos comprar um freezer, fogão industrial e a nossa intenção é abrir uma instalação própria para a casa da sopa”, explica Luciana.
As refeições, segundo ela, são preparadas de forma completa e variada, com carboidratos, proteínas, verduras e legumes. “Servimos arroz, sopas nutritivas, feijão, carne, legumes, salsichas e caldos”, afirma.
Ela também diz que o projeto é sua forma de agradecer pelo auxílio que recebeu quando chegou à cidade e precisou. “Cheguei em Buritama com meu filho e precisei ficar alguns dias em um albergue, onde recebi todo o acolhimento e refeições diárias até eu começar a trabalhar e alugar um quarto para a gente. E em gratidão a tudo que recebi e construí nesta cidade, dedico o meu horário de almoço para preparar as refeições que são destinadas a aqueles que não tem o que comer.“
O projeto Casa da Sopa funciona de segunda à sexta-feira, e as marmitas são entregues das 10h às 10h30. Para quem deseja ajudar a inciativa, as doações podem ser feitas via WhatsApp (+55 18 99803-4846), correios (Rua Joaquim Pereira Rosa, 619, Buritama – SP, 15290-000) ou pessoalmente.