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Em junho deste ano, o cantor Justin Bieber postou um vídeo nas redes sociais explicando os motivos que o fizeram cancelar e adiar os shows: uma paralisia facial. Desde então, especialistas começaram a se manifestar para explicar o que tinha acontecido com o rosto dele e muitas pessoas cogitaram a possibilidade dele ter sofrido um AVC – Acidente Vascular Cerebral. Apesar do sintoma de paralisia facial ser muito parecido, o que atingiu o cantor, no entanto, foi um vírus chamado “Varicela Zóster”, já conhecido e muito comum em crianças por causar a catapora.

Cantor Justin Bieber explica motivo de ter cancelado os shows. Fonte: The Guardian

“A paralisia facial do Ramsay Hunt e do AVC tem uma diferença importante. Normalmente a do AVC poupa o terço superior da face, tornando possível a movimentação da testa; enquanto na paralisia facial periférica, que é o caso da Ramsay Hunt, isso não acontece e toda a face fica prejudicada”, explica a otorrinolaringologista Dra. Nathália Campos. “Ela causa paralisia facial porque o vírus vai inflamar exatamente o sétimo par craniano que é o nervo facial”, complementa.

Segundo Nathália, quando nós temos catapora na infância, normalmente esse vírus fica latente no nosso corpo e, quando nós temos alguma queda de imunidade, ele pode recrudescer e voltar a infectar, se manifestando como Ramsay Hunt ou como Herpes-Zóster, conhecido popularmente como “cobreiro”. “Os pacientes com maior risco para desenvolver esta síndrome são os imunodeprimidos, ou seja, crianças, idosos, diabéticos e pessoas com o vírus do HIV; mas o vírus pode reativar em uma pessoa imunocompetente, sem nenhum fator de risco, mas no momento de maior fragilidade imunológica”, explica a doutora.

A BAIXA DE IMUNIDADE

Três principais fatores podem desencadear a condição que afetou Justin Bieber: infectar-se com o vírus Varicela-Zóster, a pré-disposição corporal para uma baixa resposta imunológica, e a interação com um ambiente que leva o corpo ao estresse e, portanto, corrobora para a sua fragilização.

“Essa pré-disposição permanece em construção ao longo de nossa vida. Para que o corpo de Justin Bieber tenha tido uma resposta com paralisia facial, por exemplo, deve-se fazer uma análise considerando como os anos de rotinas exaustivas de ensaios, shows, viagens e desencantos da vida de celebridade podem ter afetado na sua condição imunológica”, explica a psicóloga e colunista do journal48, Bárbara Piazza.

A melhor maneira de prevenir o retorno do vírus Varicela-Zóster como a Síndrome de Ramsay Hunt é com a vacinação da catapora na infância. “Além de prevenir a primeira infecção pelo vírus, nós também prevenimos essas reativações que podem acontecer ao longo da vida”, analisa a Dra. Nathália Campos. Mas tomar a vacina não reduz as chances de que outros sinais causados por estresse e ansiedade possam aparecer em nossa rotina.

Existem alguns sinais que podem ser observados para evitar que, de uma hora para outra, nosso corpo entre em colapso, por exemplo, a insônia. “Evidentemente que uma pessoa que se sobrecarrega de preocupações e responsabilidades ao longo do dia terá dificuldades para se desvincular das mesmas durante a noite. Nosso corpo não alterna o ‘modus operandi’ num passe de mágica”, conta a psicóloga Bárbara.

O estresse, segundo ela, é capaz de afetar desde as funções mais básicas do nosso organismo até as mais complexas. “O sono, o estado de vigília, o batimento cardíaco, o ciclo circadiano, o nível de atenção – seja a concentrada ou a dispersa -, a memória – seja de curto, médio, ou longo prazo -, a capacidade de planejamento e execução, o trato digestivo, as emoções, a capacidade de sentir prazer, entre outros”.

SOCIEDADE DO CANSAÇO

Cada pessoa responde de uma maneira específica às respostas dadas para o esgotamento mental e físico do corpo. “Existem aquelas que, sob condição de estresse, tendem a ficar em silêncio. Outras tendem a falar por mais tempo e em um ritmo acelerado”, analisa Bárbara. “Pode ser que a pessoa que tende a ficar em silêncio concentre maior tensão na região mandibular e, assim, desenvolva bruxismo e cefaleias tensionais. Já a pessoa que descarrega a tensão enquanto fala, pode ser que não desenvolva esses quadros”, completa.

Apesar das manifestações serem específicas de cada corpo, questões externas e mais amplas, relacionadas à forma como vivemos num geral, têm tornado quadros de ansiedade e estresse mais recorrentes. Esses são sintomas da época, provindos do que se chamou “Sociedade do Cansaço”. O tema foi debatido pelo filósofo Márcio Krauss, no podcast “Mamilos”.

“A cobrança do ‘sim’ é generalizada, do ‘trabalhe enquanto eles dormem’, do ‘estude enquanto eles se divertem’, do ‘sabote até mesmo o seu descanso’, isso é para todo mundo. Ainda mais na era da internet em que vivemos”, disse ele.

O termo “Sociedade do Cansaço” ficou conhecido por ser título de um livro escrito pelo filósofo coreano Byung-Chul Han, publicado originalmente em 2010. O autor trata de discutir os efeitos colaterais desse fluxo massivo de discursos motivacionais sobre a “superação de limites”, que podem ser encontrados em qualquer lugar da sociedade contemporânea – sejam nos ambientes de trabalho, nas postagens das redes sociais e até praticados no nosso cotidiano sem percebermos. Esses discursos têm potencial de levar à exaustão e à construção de quadros como o de Transtorno de Ansiedade Generalizada, de Depressão e de Burnout.

Sobre isso, a psicóloga Bárbara Piazza pontua que “somos cotidianamente assediados por publicidade, notificações e diferentes estímulos audiovisuais que tentam nos convencer de que o lado ‘bom’ da vida é o lado da ‘conquista’, do ‘deslocamento’, da ‘superação’”.

“Imagina a seguinte cena”, ela propõe, “estamos com o corpo parado, seja em pé, sentado ou deitado, entramos em alguma rede social e vemos fotos e vídeos de inúmeras pessoas em viagens, festas e celebrações. Isso é algo que obviamente nos deixa com a sensação de que estamos ‘estagnados’, ‘ficando para trás’ e, de certa maneira, nos desgasta. É esse ciclo que vai habituando o nosso corpo a se inserir em um ambiente de estresse – algumas pessoas deprimem, outras tentam competir com essas narrativas, e por aí vai. A ‘positividade tóxica’ vai bem além das selfies com filtro”, afirma.

Não existe uma fórmula pronta para escapar por completo do estresse rotineiro, mas a questão principal consiste em identificar as fontes dessa sensação e encontrar maneiras saudáveis de lidar com elas.

Vivemos em uma sociedade que espera sempre mais das pessoas, que espera o alto rendimento, que espera produtividade a todo custo. Tudo isso até que chega o momento do corpo cobrar por isso e nos lembrar de que somos seres humanos, não máquinas capazes de lidar com todas as atividades ao mesmo tempo. Se permitir descansar e ter um tempo livre não é luxo, é necessidade, e denuncia o fato de que corpo e mente estão sempre interligados.

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