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O acesso à educação pública de qualidade só foi reconhecido como direito em 1988, na Constituição Federal. Antes desta data, o Estado não tinha a obrigação formal de garantir a educação de qualidade a todos os brasileiros e a oferta do ensino básico era vista como um ato de amparo. Mais de três décadas depois dessa conquista, o Brasil ainda avança a passos pequenos para alcançar o objetivo de promover educação para toda a população, o que mostra a pouca idade e até mesmo fragilidade da nossa democracia.

De acordo com uma pesquisa realizada pelo Ipec em agosto deste ano, dois milhões de crianças e adolescentes de 11 a 19 anos não estão frequentando a escola no Brasil. A divulgação deste dado foi realizada pela UNICEF e uma das maiores dificuldades apontadas pelos entrevistados foi a de conciliar os estudos com o trabalho, prática ilegal para pessoas com menos de 14 anos no país. Além disso, as crianças e adolescentes relataram que acompanhar o ritmo escolar se tornou um empecilho, por isso a evasão escolar aumentou.

No total, 11% dos entrevistados não estão frequentando a escola, sendo que, na classe AB, o percentual é de 4%, enquanto, na classe DE, chega a 17%, quatro vezes maior. Nesse cenário, as ONGs acabam exercendo um papel essencial.

Na Zona Rural de São Vicente, em SP, crianças e adolescentes conhecem bem o que significa ter os direitos negados: os moradores da comunidade não contam com acesso à água e luz elétrica, as opções de trabalho são limitadas, e as crianças ficam sem ir para escola quando chove ou quando o transporte escolar não funciona. Além disso, o isolamento social atrapalha a perspectiva e futuro de uma geração inteira.

Sem os Pequeninos do Acaraú, ONG que atua na região, os jovens da Zona Rural não teriam conhecido outras possibilidades. Para Mirian, de 11 anos, foi graças à organização que o objetivo de aprender a ler – para muitos, bastante simples – foi possível. Já para Pedro, um ano mais novo, as dinâmicas em grupo da ONG lhe garantem, entre brincadeiras de bater card, lapsos de uma infância comum em meio à vontade de trabalhar e mudar de vida.

A importância das ONGs na infância e adolescência.  Crianças que frequentam o projeto Pequeninos do Acaraú brincando com cards - Foto: Bianca Lopes
As crianças que frequentam o projeto Pequeninos do Acaraú brincando com cards – Foto: Bianca Lopes

“PEQUENAS MÃOS, GRANDES TRABALHOS E UM FUTURO BRILHANTE”

Esse é o lema da Pequeninos do Acaraú, criada em 2013, por Wilian Pereira, motivado pela vontade de auxiliar o próximo. A ONG, atualmente, atende 32 crianças e adolescentes e tem como objetivo “criar oportunidades para as famílias que estão em situação de vulnerabilidade social, através da educação, cultura, esporte, saúde e sustentabilidade.”

As ONGs ainda lutam para se manter. Uma das salas do espaço Pequeninos do Acaraú - Foto: Bianca Lopes
Uma das salas do espaço Pequeninos do Acaraú – Foto: Bianca Lopes

Aulas de culinária e reforço escolar de biologia, ciências, matemática, português, inglês e espanhol são algumas das oferecidas pelo projeto. Por um tempo, inclusive, a ONG fez além de seu papel, suprindo a falta de educação básica na região, causada pela instabilidade do transporte escolar, resolvida apenas este ano. Desde 2018 os moradores já reclamavam da falta de acesso à escola, localizada a 4 km do ponto mais próximo da Zona Rural e 6 km do bairro Humaitá, o mais distante.

“É uma zona muito carente, a gente briga por algumas questões de direitos, como o transporte escolar, é uma área bem esquecida. Tem alguns pontos onde a energia é tão fraca que os moradores tomam banho gelado, porque o chuveiro não esquenta, o lixeiro também não passa pela Zona Rural inteira, a ONG está fazendo um trabalho de reciclagem e compostagem, para reduzir os impactos”, explica Wilian Pereira.

Ele conta que, na pandemia, quando o contato das crianças com a escola foi ainda mais restrito, a solução foi intervir. Alguns dos franqueados da ONG iam até sua casa pois não possuíam acesso à internet para acompanhar aulas online. Além disso, muitos pais não conseguiam auxiliar os filhos com os deveres, e ele acabava se incumbindo da tarefa.

Em um lugar onde muitas pessoas têm necessidade de usar a água de uma cachoeira e só existe uma opção de trabalho, na ferrovia, a falta de acesso à educação se soma às múltiplas barreiras limitantes do potencial dos jovens. Entretanto, os sonhos ainda são mantidos vivos, especialmente por parte dos adolescentes, como Thamires Vitoria Moura de Paula, 15 anos, que deseja se formar na faculdade.

“Os cursos da ONG vão ajudar no meu futuro, principalmente porque quero cursar medicina veterinária. Vou estudar bastante, ter muito foco e fazer a faculdade”, diz ela.

Além de cultivar sonhos, a Pequeninos do Acaraú também faz parte da socialização das crianças e adolescentes, ensinando-os a lidarem com seus sentimentos. A equipe da ONG conta com o trabalho voluntario da psicóloga Isabela Andrade de Santana, e os resultados são vistos no comportamento de cada um.

“Depois de frequentar a ONG eu me tornei uma pessoa melhor, era muito estressada, respondia todo mundo e agora estou ficando mais calma. Aprendi a pensar antes de falar”, afirma Thamires.

Victória de Melo, de 14 anos, também reconhece a mudança em sua personalidade após o início das consultas. “Me consultar com a psicóloga da ONG me ajuda muito no dia a dia, eu consigo me enturmar melhor. Antes, eu era muito fechada, até mesmo grossa, e não gostava de falar com ninguém. Hoje em dia isso mudou.”

Sofia, a irmã mais nova de Thamires, de 12 anos, para além da terapia, usa exercícios físicos para desestressar. Ela é apaixonada pelas aulas de capoeira, também oferecidas pela ONG. Segundo a psicóloga Isabela Santana, todas as atividades oferecidas pelo projeto auxiliam as crianças e adolescentes a lidarem com seus sentimento, um processo que garante uma troca sincera no momento da terapia.

“É desafiador, existem desafios de acessos para as pessoas chegarem aqui, tem famílias que moram muito afastado. Mas também é muito bom, eu me divirto e aprendo muito com eles, é preciso jogo de cintura e deixar o processo lúdico. Ninguém deve esperar que crianças se comportem como adultos (…) é tentar trabalhar através dos sentimentos”, discorre a profissional.

O direito de conviver, estudar e ter acesso a saúde mental impulsionam esses jovens a desejarem um futuro brilhante pela frente. Em uma região afastada como a Zona Rural, criar um ambiente cheio de possibilidades, com vínculos reais entre as pessoas, como é o caso das adolescentes Thamires, Sofia e Victória, muitas vezes cai sobre os ombros de organizações sem fins lucrativos, como a Pequeninos do Acaraú.

O VALOR DA EDUCAÇÃO E DO SENSO DE COMUNIDADE

Wilian coordenador da ONG e as crianças - Foto:  Bianca Lopes
Wilian coordenador da ONG e as crianças – Foto: Bianca Lopes

A estrutura do Projeto Pequeninos do Acaraú fornece o apoio que a comunidade e as crianças precisam, mesmo em meio às dificuldades. Wilian se emociona ao falar da jornada da ONG, que já completou nove anos, e superou muitos obstáculos, apesar de que alguns persistem. A região é isolada e abandonada, o que diminui o número de parceiros interessados em investir no projeto.

Mesmo assim, para o bem de todos daquela região, a ONG resiste. Isabela, a psicóloga voluntária, define o trabalho do Wilian e de toda a equipe do projeto como a criação de um senso coletivo.

“A ONG é um ponto de apoio muito forte aqui na comunidade porque ela oferece muitas coisas que eles não teriam acesso, além do senso de comunidade, de estar aqui junto de outras pessoas que moram perto, que se entendem. O projeto reúne pessoas diferentes, em meio aos atritos e dificuldades e faz o possível para as coisas darem certo.”

O senso de comunidade é visto no comprometimento da equipe, no desempenho dos jovens e crianças e no apoio fornecido por duas mães que fazem questão de acompanhar as atividades.

Graziela Alves Barreto, mãe de três filhos, já frequenta o projeto com as crianças há sete anos. Nesse período pode observar de perto a transformação de sua família. “Aqui tem reforço escolar, capoeira, tudo contribui para melhorar o comportamento deles. Agora, as crianças têm o entretenimento. Além disso, também melhorei muito, antes não via o lado de ninguém, hoje sou mais flexível”, conta.

Débora da Silva Moura, também é mãe de três. As duas filhas mais velhas, Thamires e Sofia, frequentam a ONG desde o início da sua criação.

“Para elas é muito importante fazer as atividades e aprender a se movimentar, até eu mesmo faço dança e é algo que está me ajudando na depressão. Aqui é um lugar muito afastado, se o transporte escolar quebra, as crianças ficam em casa; se chove muito, elas não conseguem sair e ficam dentro de casa de novo, sem ter nada para fazer. A minha filha mais velha não conseguia interagir e se relacionar com as pessoas, a ONG fez muito bem no desenvolvimento dela.”

O trabalho da Pequeninos de Acaraú é demonstrado com a empolgação das crianças, que se divertem com as brincadeiras e com a consciência dos mais velhos. Miriam, aos 11 anos, já entende como a ONG mudou o seu cotidiano, foi nesse espaço que ela aprendeu a ler. Por conta de questões familiares, ela acabou ficando um tempo longe do projeto, mas agora que voltou não pretende sair mais.

Mirian, de 11 anos, é uma das crianças beneficiadas pela ONG Pequeninos do Acaraú. Ela veste a camiseta do projeto e sorri para a foto segurando uma placa onde se lê a palavra "amigo".
Mirian, aprendeu a ler na ONG – Foto tirada pelas próprias crianças.

Josué, João e Pedro, também brincam e esbanjam sorrisos, mas com apenas 10 anos de idade, já sabem da importância de buscar uma vida melhor e aprendem rápido. Revezando uma câmera, eles tiram belas fotos de seus amigos, mostrando que qualquer criança deve ter o direito a oportunidades.

DOAR É A SAÍDA?

As Organizações Não Governamentais (ONGs), também chamadas de OSC (Organização da Sociedade Civil) fazem parte da nossa sociedade. Geralmente, são responsáveis por abordar pautas humanitárias e não visam o lucro, por isso, sobrevivem de incentivos e doações. Ainda hoje, no entanto, o ato de doar divide opiniões, mesmo no Brasil, que é um país considerado por muitos como solicito e amistoso.

De acordo como o artigo “Doações Para Ongs no Brasil: Estudo de Casos e Análise FSQCA”, escrito por Micheli Umebayashi, em 2018, para o programa de mestrado e doutorado da Escola Superior de Propaganda e Marketing, os principais motivos para não doar são a falta de dinheiro e confiança na organização não governamental.

Essa desconfiança pode ser desencadeada por vários motivos como, por exemplo, a falta de transparência das instituições e a falta de vínculo entre potenciais doadores e determinadas causas, o que enfraquece a cultura de doação. No Brasil, as ONGs surgiram entre as décadas de 40 e 50, quando o mundo estava se recuperando da Segunda Guerra Mundial. As OSC que ganharam forças em território nacional eram, em sua maioria, vinculadas a igrejas e instituições religiosas.

Foi somente entre 1970 e 1980 que o cenário das ONGs nacionais começou a mudar, pois as organizações passaram a se voltar para manutenção dos Direitos Humanos que estavam em risco por conta da ditadura militar. A luta pela redemocratização e pelo fim dos crimes cometidos nesse período aflorou a necessidade de combater as injustiças.

Segundo o Mapa das Organizações da Sociedade Civil, ou Mapa das OSCs, iniciativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), do governo federal, existiam 815.676 ONGs no país até 2020. Grande parte dessas organizações atuam para diminuir a vulnerabilidade social existente.

O trabalho para combater a vulnerabilidade social é extenso, pois deve abranger vários pilares, especialmente a educação. Esse conceito é antigo, mas está sendo cada vez mais discutido no Brasil após os danos irreparáveis da pandemia. Para Anna Del Mar, especialista de Projetos Sociais do Instituto Solea, o papel das ONGs no Brasil é de extrema importância, ainda mais no contexto atual.

“A maioria das ONGs atua em problemáticas para as quais o poder público não consegue oferecer uma solução adequada. O maior objetivo de uma ONG é que ela, eventualmente, deixe de existir pois não há mais a necessidade de seu trabalho. Mas sabemos que na prática a realidade é outra”, afirma.

O Instituto Solea promove um apoio técnico e financeiro para vários projetos sociais, incluindo a Pequeninos de Acaraú. O trabalho das ONGs é indispensável, porém depende da doação, que pode ser feita em dinheiro, em itens e até mesmo através do trabalho voluntário.

Outro fator, segundo Anna, que barra a ação da sociedade nessas iniciativas é a visão de que a vulnerabilidade social deve ser resolvida pelo poder público. Cobrar as autoridades por melhorias faz parte dos deveres dos cidadãos, mas não impede que a população atue de forma ativa, seja em ONGs, ou movimentos sociais.

“No Brasil, a cultura de doação ainda enfrenta muita desconfiança por parte da população. Existe uma narrativa que descredibiliza o trabalho do terceiro setor. Um dos principais desafios das ONGs é ter que lidar com a falta de recursos que impede muitas instituições de se estruturarem organizacionalmente. Muitas organizações têm uma equipe enxuta que se divide entre as diversas funções necessárias relacionadas à suas atividades administrativas, financeira, jurídica, de comunicação etc. A falta de profissionalização do setor reforça o sentimento de desconfiança da população e é um problema que se retroalimenta”, completa a especialista.

Na foto, Sofia, de 12 anos, segura seu imão pequeno no colo. Ambos participam das atividades da ONG Pequeninos do Acaraú.
Sofia e seu irmão são participantes do projeto – Foto tirada por uma das crianças da ONG

Nessa encruzilhada, as pessoas continuam tocando os projetos e buscando oportunidades sem desistir das gerações futuras, como é o caso do Wilian. “Eu não espero alguém fazer alguma coisa, corro atrás de parcerias, mas continuo fazendo a minha parte pelas crianças.”

A história de comunidades abandonadas à própria sorte, como a Zona Rural de São Vicente, é a realidade em muitos lugares do Brasil. Por isso o trabalho das ONGs e do voluntariado se torna essencial.

CONHEÇA A PEQUENINOS DO ACARAÚ

Sede dos Pequeninos do Acaraú, uma das ONGs que depende de trabalho voluntário no Brasil - Foto: Bianca Lopes
Sede dos Pequeninos do Acaraú – Foto: Bianca Lopes

CONTATO

CURSOS OFERECIDOS

  • Yoga e Capoeira
  • Projeto com horta
  • Educação ambiental
  • Artesanato

CURSOS PREPARATÓRIOS

  • Segurança condominial
  • Como se comportar em entrevista
  • Como montar um currículo
  • Auxiliar Administrativo
  • Word e Excel

ESCOLA DE PAIS

  • Integrar escola e família;
  • Estimular a família a acompanhar o desenvolvimento da aprendizagem do aluno;
  • Dotar a família de conhecimentos teórico-práticos capazes de subsidiar o acompanhamento escolar do aluno;
  • Envolver os pais em atividades de aprendizagem em casa;
  • Envolver os pais no acompanhamento do desenvolvimento humano do aluno.

SAÚDE E AUXÍLIOS

  • Dentista
  • Oftalmologista
  • Psicóloga
  • Fonoaudióloga
  • Emissão de RG e CPF
  • Cabeleireiro

AÇÕES SOCIAIS

  • Limpeza de praias e estradas
  • Entrega de marmitas
  • Ovos de páscoa
  • Roupas e cobertores para pessoas em situação de rua
  • Projetos em aldeias indígenas
  • Auxilio a clinicas de recuperação

AÇÕES CULTURAIS

  • Livraria Flutuante
  • Parque Parque de Ciência e Tecnologia
  • Aldeia Indígena
  • Apresentação de dança
  • Produção de curta metragem, tema violência doméstica
  • Apresentação de música
  • Apresentação teatral
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