Já chega deste governo!

Ouça esta publicação

“Ninguém queria estar na rua no meio de uma pandemia. É que Bolsonaro não deixou outra alternativa pra gente.”

A frase, bastante pertinente, é do político Guilherme Boulos (PSOL), referente às manifestações antigoverno que tomaram conta das avenidas de todos os estados brasileiros no sábado, dia 29 de maio. Pela primeira vez, desde o início da pandemia – em março do ano passado – quem ocupou o asfalto do país, levantou bandeiras de súplicas e gritou em altos pulmões não foram os apoiadores do presidente.

Ha quem diga que após um ano de críticas às aglomerações sem máscaras quase-que-semanais daquele que nos “governa”, a legitimidade dos descontentados caiu por terra ao fazerem o mesmo. Pera aí, o mesmo? Jornais do Brasil à fora, que acompanharam as manifestações de perto e de longe, dizem que não é bem assim.

Diferentemente dos atos planejados e liderados por Jair Bolsonaro, a maioria dos manifestantes do dia 29 estava mascarada, tentando, sempre que possível, evitar uma aglomeração mais exagerada. É lógico que considerando o fato científico de que o isolamento social é o maior aliado à contenção da crise sanitária, o ideal seria ficar em casa. Mas, retomando a frase de Boulos, não estamos diante de um cenário ideal: para muita gente, essa alternativa não existiu. Como não protestar contra um governo tão perigoso quanto – ou mais – do que o próprio vírus?

A ineficaz gestão de enfrentamento à pandemia, a insuficiente e tardia compra de vacinas e o anterior negacionismo frente as reais mortalidade e seriedade do novo coronavírus renderam um número de mortes que, hoje, supera a casa dos 480 mil. Foram vidas desatendidas, interrompidas de forma agressiva e, ainda por cima, respondidas com frases similares a “não sou coveiro” e “lamento. Quer que eu faça o quê?”.

Bom, senhor presidente, o que queríamos que fosse feito já não dá mais tempo. Foi sob seu desgoverno, como temos assistido nos vários e revoltantes inquéritos da CPI, que ofertas de vacinas foram ignoradas, máscaras impróprias foram distribuídas, percentual inferior ao oferecido de doses foi comprado, dentre outros desapontamentos. Talvez sejam esses os motivos pelos quais o termo genocida anda tão em alta – caso ainda haja alguma dúvida. Por esses (e outros) motivos, também, o pessoal foi às ruas.

Especialistas comentaram, ainda assim, que, apesar das motivações serem várias e da movimentação no geral não ter sido organizada – isto é, não iniciada por partido X ou Y, mas sim de maneira autêntica pela população – a intenção foi cristalina e proclamada em uníssono: já chega desse governo!

A pesquisa Atlas, divulgada em maio, indicou que mais de 100 pedidos de impeachment foram solicitados contra o presidente, quase todos durante o período de pandemia, e que quase 56% da população acredita que Bolsonaro cometeu crimes de responsabilidade. Mesmo assim, a perspectiva de que o presidente seja devidamente responsabilizado por estes crimes e consequentemente afastado do cargo é remota, já que não se trata de um processo rápido e, afinal de contas, já estamos na reta final deste enfadonho governo, rumo às eleições de 2022.

Ah, tem outro motivo também, e este tem nome e sobrenome: Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados e o primeiro responsável por autorizar a abertura do processo. Desde seu depoimento à rádio 97FM Natal, na semana passada, de que “não é uma caminhada de um grupo numa semana que vai fazer com que isso [o impeachment] ande nesta casa” sabemos onde ele se posiciona, independentemente de suas responsabilidades no cargo.

Mas que bela “caminhada” foi essa, não é mesmo? Cerca de 420 mil pessoas “caminhando”; isso sem falar nas outras milhares que se manifestaram de formas alternativas, e igualmente válidas, pelas redes sociais. É fato: nas ruas, estiveram majoritariamente os jovens progressistas, e isso se explica muito pelo momento. Nem todos os que gostariam têm capacidades físicas e psicológicas para sair nos dias de hoje; estamos com medo e ele é totalmente compreensível.

Que fique claro, portanto, que Bolsonaro e seus amigos íntimos são os únicos que acreditam que tinha “pouca gente nessa manifestação de esquerda” e que o motivo era o de que “a PF e PRF estão prendendo muita maconha pelo Brasil”. Os próprios números indicam isso: a popularidade do excelentíssimo, que está em queda, permeando a casa dos 30%, segundo pesquisas do Datafolha, revela bastante incerteza sobre a confiança que ele tem (ou diz ter) com relação a 2022.

E é aí que precisamos mirar. Infelizmente, é provável que tenhamos que sobreviver ao desserviço de Bolsonaro por mais algum tempo, mas que isso fortaleça a certeza de que já basta dessa brincadeira de políticos no Brasil. Se eles não exercem suas responsabilidades, não façamos o mesmo: em 2022, vamos às urnas pela vida. Até lá, vamos às ruas, mascarados e cuidadosos; vamos as redes, conscientes e com fundamento; e aos laboratórios, com esperança e conhecimento.